Dia do Cinema Brasileiro: começo, meio e… estamos longe do fim

Dia 19 de junho comemora-se o Dia do Cinema Brasileiro porque, nesse dia, em 1898, o ítalo-brasileiro Afonso Segreto filmou as primeiras imagens em território nacional, da Baía da Guanabara, a bordo de um navio francês chamado Brésil. Saiba mais na postagem anterior.

A produção nacional foi se desenvolvendo à margem das grandes cinematografias mundiais dos Estados Unidos e Europa, até surgir o primeiro marco do nosso cinema. Limite foi lançado em 1931, exibido no Chaplin Club, para aficionados da Sétima Arte, e não teve exibição comercial na época. Foi a única obra de Mário Peixoto, um cineasta autodidata que não se insere em nenhuma escola ou estilo em voga.

Ao longo dos anos, Limite foi ganhando aura de lenda, até ser redescoberto por uma geração de cinéfilos no final dos anos 70. A partir de então, se consagrou como um dos filmes brasileiros mais importantes, reconhecido por especialistas internacionais.

Humberto Mauro foi o grande diretor brasileiro por mais de duas décadas, com trabalhos como Braza Dormida (1928), Lábios Sem Beijos (1930), Ganga Bruta (1933), Favelas dos Meus Amores (1935), o polêmico e ‘chapa-branca’ Descobrimento do Brasil (1936) e Canto da Saudade (1952).

Nos anos 30 e 40, a Cinédia passou a produzir comédias musicais com cantores populares, como Alô, Alô Carnaval (1936) e Banana da Terra (1939), que originou o figurino que consagrou Carmen Miranda, a partir da música O que é que a Baiana Tem?, de Dorival Caymmi.

A Cinédia foi sucedida pela Atlântida e suas chanchadas, que misturam lançamentos para o Carnaval, o humor de Oscarito e Grande Otelo e um casal romântico formado por Eliana e Anselmo Duarte ou Cyl Farney. Carnaval no Fogo (1949), Aviso aos Navegantes (1950), Carnaval Atlântida (1952), Nem Sansão, Nem Dalila (1954) são alguns dos sucessos que dominaram as bilheterias da época.

Paralelamente, surgia em São Bernardo do Campo a Companha Cinematográfica Vera Cruz, que tinha ambição de ser uma espécie de Hollywood ou Cinecittá tupiniquim. Gerou obras importantes como Caiçara (1950), Terra é Sempre Terra (1951, filmado em grande parte em Indaiatuba!), Tico-tico no Fubá (1952), Sinhá Moça (1953) e o grande sucesso internacional O Cangaceiro (1935), premiado em Cannes como Melhor Filme de Aventura e Trilha Musical.

Apesar do êxito, o diretor Lima Barreto só assinou mais um longa depois desse épico inspirado nos westerns americanos (cangaceiros a cavalo?). Mas o sonho durou pouco: a Vera Cruz faliu após cinco anos de atividades e seus estúdios viraram a Cidade da Criança, durante anos a Disneylândia do ABC paulista.

Modelos

Os modelos de cinema comercial da Atlântida e as pretensões artísticas da Vera Cruz foram os paradigmas contra os quais o Cinema Novo se insurgiu, num momento em que diversos movimentos de renovação pipocaram em todo o mundo, inspirados no Neorrealismo italiano.

Nelson Pereira dos Santos já havia feito Rio 40 Graus em 1955, considerado o precursor da Estética da Fome que marcaria o ciclo encabeçado por Glauber Rocha, Ruy Guerra e Cacá Diegues, entre outros. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) é a obra-prima de Glauber e do Cinema Novo, mas outros filmes importantes como Ganga Zumba (1963), de Cacá; Os Fuzis (1964), de Ruy; e Vidas Secas (1964) de Nelson Pereira dos Santos.

O movimento se estenderia por toda a década de 60 e mesmo tendo sido considerado encerrado em meados da década seguinte, sua influência se estenderia por muitos anos, para o bem e para o mal. A insistência no cinema autoral, em que o cineasta escrevia o roteiro e dirigia o filme, resultou em uma distorção que deixou a produção nacional para trás, por exemplo, da Argentina, cujos roteiros e diálogos são anos luz superiores aos brasileiros.

Marginal

O próprio ciclo seguinte a aparecer, o Cinema Marginal, representado pelo O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla; Matou a Família e foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane; e A Herança (1970), de Ozualdo Candeias, foi uma reação ao Cinema Novo.

A ditadura militar, a partir de 1964, e seu endurecimento, após 1968, criou uma situação bizarra, em que impera a censura política e de costumes por um lado e o crescimento das pornochanchadas por outro. Esse ciclo daria origem ao preconceito que muitos têm em relação ao cinema brasileiro em geral, mas ele é parte da nossa cultura.

Se nos anos 50 a chanchada tinha como uma das atrações vedetes vindas do teatro de revista, como Fada Santoro, Maria Antoniete Pons e Renata Fronzi; a comédia erótica dos anos 70/80 teria como ícones Matilde Mastrangi, Nicole Puzzi, Aldine Muller, Helena Ramos, Zilda Mayo e a musa suprema Vera Fischer, que migraria para as novelas globais para ser estrela.

As produções da Boca do Lixo seriam laboratório para cineastas como Carlos Reichembach, José Mojica Marins e Walter Hugo Khouri, além do futuro noveleiro Silvio de Abreu. É irônico pensar que a pornochanchada morre quando a censura cai e entra em cena o sexo explícito.

Embora não classificados como pornochanchadas, mas inseridos nesse contexto de repressão de costumes e erotização midiática, são desse período dois fenômenos das salas de exibição nacionais: a entronização de Sônia Braga como Rainha do Cinema Brasileiro e a explosão de adaptações de Nelson Rodrigues.

Se na época da Atlântida não existiam dados confiáveis sobre bilheteria e público, a partir da Embrafilme, criada em 1969, os borderôs passam a ser obrigatórios e se estabeleceu que o maior público oficial de um filme brasileiro era Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, cujas maiores atrações eram os atributos físicos e carisma de Sônia Braga.

Esse recorde só seria batido por Tropa de Elite 2 – Agora o Inimigo é Outro, de José Padilha, em 2010. A atriz seria responsável por outro sucesso de bilheteria, A Dama do Lotação (1978), de Neville de Almeida, que iniciaria a fase de sexploitation da obra de Nelson Rodrigues.

Embarcando na fama de pornógrafo do grande dramaturgo, seguiram-se Os Sete Gatinhos (1980), Perdoa-me por Me Traíres (1980), Álbum de Família (1981), O Beijo no Asfalto (1981) e Bonitinha Mas Ordinária (1983). Sônia ainda faria Eu Te Amo (1980), de Arnaldo Jabor (justo ele, que realizou a melhor adaptação de Nelson, Toda Nudez será Castigada, em 1973), cuja repercussão internacional a credenciaria a fazer carreira em Hollywood (incluindo O Beijo da Mulher-Aranha, de Hector Babenco, que deu o Oscar de Melhor Ator a William Hurt).

Embrafilme

Pode-se dizer que o período Embrafilme, estatal criada pelo regime militar para financiar e distribuir a produção nacional, foi um segundo ciclo de ouro do cinema tupiniquim, em sua relação com o público e em premiações internacionais.

Arnaldo Jabor ganha o prêmio de direção do Festival de Berlim por Toda Nudez será Castigada, em 1973; Eles não Usam Black Tie, de Leon Hierzman, ganha o Leão de Ouro do Festival de Veneza em 1981; Hector Babenco é indicado ao Oscar em 1986, com O Beijo da Mulher-Aranha; no mesmo ano, Fernanda Torres é a melhor atriz em Cannes por Eu Sei que Vou Te Amar, e Marcélia Cartaxo ganha o prêmio do Festival de Berlim por A Hora da Estrela; Ana Beatriz Nogueira repete o prêmio de interpretação de Berlim no ano seguinte por Vera.

Além da produção adulta, a estatal sustenta outro fenômeno de bilheteria, Renato Aragão e os Trapalhões. A Embrafilme é fechada pelo então presidente Fernando Collor de Mello em 1990, e a produção brasileira entra em uma de suas fases mais negras.

Retomada

A chamada Retomada é marcada pelo lançamento de Carlota Joaquina (1995), da ex-atriz Carla Camurati. Essa nova fase será marcada por cineastas como Walter Salles, autor do filme que melhor retrata os anos Collor, Terra Estrangeira, também de 1995, e de Central do Brasil, que ganhou o Urso de Ouro em Berlim e levou Fernanda Montenegro a uma inédita indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Beto Brant, cuja obra será marcada por filmes policiais como Os Matadores (1997), Ação entre Amigos (1998) e, principalmente, O Invasor (2001); e Fernando Meirelles, que com Cidade de Deus (2002) estabelece um novo marco para o cinema brasileiro. É a produção nacional com maior número de indicações ao Oscar (quatro, incluindo Direção) e é uma das mais influentes do século XXI, basta ver a abertura de Quem Quer Ser um Milionário? (2008), de Danny Boyle, ganhador de oito prêmios da Academia de Hollywood.

Internamente, Cidade de Deus inicia uma nova onda de filmes sobre o submundo cujos principais exemplares são Carandirú (2003) e Tropa de Elite (2007), cuja parte dois, como dissemos anteriormente, quebrou o recorde de público de Dona Flor e seus Dois Maridos.

Comédias

Além de prestígio, o cinema brasileiro recupera o público graças a um novo ciclo de comédias, na maioria com a chancela Globo Filmes, com nomes celebrizados pela emissora e suas subsidiárias. Se os dois Se Eu Fosse Você (2006 e 2009) é alavancado por artistas consagrados há décadas como Tony Ramos, Gloria Pires e Daniel Filho; o atual hitmaker é produto do atual século, Paulo Gustavo, vindo do Multishow, cujo terceiro Minha Mãe é uma Peça tomou o título de maior bilheteria nacional de todos os tempos.

Em 1996, O Baile Perfumado, de Lirio Ferreira e Paulo Caldas, cria um novo polo de produção em Pernambuco. Se não chega a ser um movimento, coloca Recife no mapa da Sétima Arte, com nomes como Cláudio Assis (Amarelo Manga, de 2002; A Febre do Rato, 2016 ), Gabriel Mascaro (Boi Neon, de 2015; Divino Amor, de 2019); e, principalmente o ex-crítico Kleber Mendonça Filho, com suas três obras-primas, O Som ao Redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), este em parceria com Juliano Dornelles.

Hoje, novamente a produção brasileira é colocada em risco por causa de um presidente. Não há lei de incentivo e a pandemia fechou as salas. O que era ruim parece piorar. Mas o cinema nacional é um bicho duro de morrer. Com todos seus percalços, há de sobreviver. De todas as artes, a sétima é a que mais tem a cara de seu povo, e não é diferente por aqui.

Viva o Cinema e o Povo Brasileiro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *