Leonardo Villar: O Pagador de Promessas

Divulgação/Prefeitura de Salto

A morte de Leonardo Villar, ocorrida na última sexta-feira, dia 3, me dá a desculpa para retificar uma omissão em meu texto sobre o Dia do Cinema Brasileiro (link aqui): a Palma de Ouro de O Pagador de Promessas. Não que eu tenha esquecido, mas a inclusão da maior láurea da cinematografia nacional mereceria um parágrafo à parte num texto que se pretendia sucinto. Volto a ele depois de falar do falecido.

Morrer aos 95, quase 96 anos, respeitado pelos seus pares e com uma carreira sólida não devia ser motivo de lamentação, mas para celebrar e relembrar sua trajetória. E é o que tentarei fazer neste espaço.

Os obituários da grande imprensa imediatamente relacionaram Villar ao seu Zé do Burro em O Pagador de Promessas, papel criado por Dias Gomes que ele também defendeu no teatro. O humilde camponês arrasta uma cruz até uma igreja em Salvador para pagar uma promessa feita pela cura de seu burro, acompanhado por sua mulher, Rosa (Glória Meneses).

O padre Olavo (Dionísio Azevedo) não o deixa entrar na igreja para cumprir sua missão, criando um impasse que chama a atenção da mídia. Até hoje é o único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes, que na época era mais importante que o Oscar de Filme Estrangeiro.

Mas o IMDB, maior base de dados sobre cinema da Internet, destaca na sua cinematografia A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, e acho que ele está certo. Realizado três anos depois da obra-prima de Anselmo Duarte, é uma adaptação de um conto de Guimarães Rosa, e Leonardo Villar está magnifico como o homem violento que, após uma traição, é resgatado da morte por um casal devoto e rejeita seu passado para tentar viver segundo a fé de seus salvadores, reprimindo o desejo de vingança. Mas sua hora e vez acabam chegando.

No ano seguinte, ele ganha outro grande papel de outro grande diretor, A Grande Cidade, talvez o melhor filme de Cacá Diegues em sua fase cinemanovista. Ele interpreta Jasão, o retirante nordestino que vira o bandido Vaqueiro no Rio de Janeiro. Elisa (Anecy Rocha), que ficou à sua espera em Alagoas, vem para encontra-lo, mas acaba fazendo amizade com o malandro Calunga (Antonio Pitanga) e com o pedreiro Inácio, ambos também nordestinos.

Em 1972, ele protagoniza uma situação insólita na televisão. Seu amigo dos tempos de TBC, Sérgio Cardoso (possivelmente o grande ator de sua geração), morreu quando fazia o papel principal da novela O Primeiro Amor. Leonardo Villar foi escalado para substituí-lo, e para tanto, abriu-se uma quarta parede em meio a trama para explicar a troca. Sérgio saía por uma porta e na volta Villar surgia em seu lugar.

Foram anos trabalhando na teledramaturgia em novelas como Uma Rosa com Amor e Escalada, e poucos filmes, até um retorno significativo em Ação entre Amigos, de 1998, segundo longa de Beto Brandt, em que o ator interpreta um ex-torturador caçado por um grupo de ex-vítimas. É o único nome famoso de um elenco oriundo em sua maioria do teatro paulista da época. Como o Coronel Kurtz de Apocalipse Now, ele aparece pouco em cena, mas sua aura é essencial na trama.

Na telona, ele ainda participaria de Brava Gente Brasileira (2000), de Lucia Murat; e Chega de Saudade (2007), de Laiz Bodansky, último trabalho de outra lenda brasileira, Tônia Carrero. Na televisão, sua despedida aconteceu na novela Passione (2010-2011).

O Pagador de Promessas

Apesar de ter sido o maior galã da Atlântida, ter alcançado a respeitabilidade como ator na Vera Cruz e ser um dos mais premiados cineastas brasileiros, o saltense Anselmo Duarte morreu como um amargurado. O alvo desse ressentimento era o Cinema Novo e alguns críticos paulistas, todos motivados pelo cinema moderno que surgia em todo o mundo e a Palma de Ouro vencida por O Pagador de Promessas se transformou em algo a ser combatido.

Vendo em retrospecto, é evidente que foi uma injustiça, mas na época, essa questão fervilhava. A turma da Nouvelle Vague, na maioria oriunda das páginas da revista Cahiers de Cinèma, criaram o conceito de Cinema de Autor, elevando à categoria de gênio diretores como Alfred Hitchcock, Howard Hawks, Nicholas Ray; e fazendo de nomes respeitados como Fred Zinemann e William Wyler meros artesãos de encomenda. Na França, diretores com Claude Autant-Lara e Jean Delannoy foram escolhidos como inimigos da vez e, na contraparte brasileira – o Cinema Novo –, o estilo acadêmico da Vera Cruz e seu seguidor em evidência, Anselmo Duarte.

Talvez, querendo se firmar como autor, após sua consagração, ele investe em dois projetos ousados: Veredas da Salvação (1965), baseado em peça de Jorge Andrade; e Quelé do Pajeú (1970), inspirado em original de Lima Barreto. Ambos foram fracassos de crítica e público, o que, ao menos em relação a Veredas da Salvação, foi uma injustiça.

Anselmo Duarte morreu em 2009, aos 89 anos, e foi sepultado em Salto, numa cerimônia que trouxe à cidade seu amigo Tarcísio Meira, o protagonista de Quelé do Pajeú. O Centro de Educação e Cultura (CEC) de Salto leva seu nome e a sala de espetáculos foi batizada como Palma de Ouro.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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