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Aquarius é um dos grandes filmes brasileiros da década
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Aquarius não é um retrato do Brasil, como diz uma frase da crítica internacional pinçada pelo marketing do filme. É a história de Clara, interpretada de forma inesquecível por Sonia Braga, uma mulher brasileira. Como a sensação nacional do ano passado, Que Horas Ela Volta?, é um filme de protagonismo feminino. O diretor Kleber Mendonça Filho usa sua técnica cinematográfica de enquadramento, cortes e ritmo já esbanjados em O Som ao Redor, para fazer um trabalho muito diferente em tom e desenvolvimento, embora a locação ainda seja sua Recife natal.
No prólogo, passado em 1980, somos apresentados à tia Lucia, uma septuagenária que teve uma vida intensa, tendo estudado fora, perseguida e presa pela ditadura e vivido anos com um homem casado. Enquanto seus sobrinhos netos contam sua vida atribulada para os convidados, ela se recorda dos momentos de amor carnal com o amante falecido. Clara, por seu lado, é casada com três filhos e acabou de vencer um câncer. É ela que vai carregar de certa forma a bandeira de sua tia dali em diante.
Corta para o presente: a protagonista já aos 65 anos, viúva há 17, mora no mesmo apartamento, vivendo em companhia apenas de seus livros e da empregada Ladijaine, dando seu mergulho diário no mar infestado de tubarões da Praia de Boa Viagem. É ainda uma mulher bonita, mas o câncer deixou suas marcas, o que a afasta de relacionamentos, a não ser com a família e amigos. Crítica de música famosa, tem um gosto eclético que vai de Maria Bethânia a Queen (que tem duas músicas na trilha) passando por Villa-Lobos, e ouve seus discos de vinil cantando e dançando sozinha.
O jovem Diego, personagem de Humberto Carrão, é herdeiro de uma construtora e tem como primeiro projeto após estudar business nos Estados Unidos, justamente o prédio que seria erguido no lugar do Aquarius onde Clara reside. Todos os vizinhos já se mudaram e aguardam a parte que lhes cabe neste latifúndio, mas a teimosia da velhinha parece atravancar os planos de todos.
Ao longo do filme, mais do que as disputas com a construtora, somos apresentados à Clara e seus motivos. Para se apegar a seu lar, para sair com as amigas, para amar a família, para brigar com a filha (Maeve Jinkings, que era desconhecida em O Som ao Redor e hoje já é atriz global) para buscar sexo, para usar sua rede de relacionamentos para lutar pelo direito de morar onde quiser. Sônia desfila sua classe de estrela internacional, numa atuação emocionante e emocionada que nunca desaba no piegas ou no dramalhão. A direção do elenco é mais um ponto para o diretor Mendonça Filho, não deixando ninguém cair na mera caricatura.
Na verdade, as personagens reais são todas mulheres. Os homens são ou antagonistas, como Diego e seu avô; fúteis como o paquera do forró; acessórios como o bombeiro de Irandhir Santos, o garoto de programa e o irmão fraco; ou meros objetos de afeição como os filhos sobrinho, netos e marido falecido. A filha é quem enfrenta a mãe, a cunhada é quem faz as observações ferinas, a amiga advogada é quem dá o apoio importante e a fiel Laidijaine, mais uma vítima da tradicional injustiça brasileira, é quem segura as pontas dos bodes da patroa. E com Clara, Sônia Braga mostra que deveria ser, para nós, o que Catherine Deneuve é para a França e Sophia Loren para a Itália, a diva da cinematografia nacional.
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