Martin Scorsese tem viralizado por conta de sua cruzada contra os filmes de super-heróis. Na verdade, sua queixa é contra a ocupação das salas por blockbusters, que não deixam espaço para outras produções.
Se isso acontecia desde a época de Touro Indomável, de 1979, ainda no início do processo – marcado pelo lançamento de Tubarão, quatro anos antes – nos mais de 40 anos seguintes só piorou, ainda mais com o predomínio das grandes franquias.
O problema do cineasta se agrava quando ele se propõe a fazer filmes com mais de três horas, como foi o caso de O Irlandês, que ainda por cima teve um custo inflado pelo uso de tecnologia inovadora para rejuvenescer seus atores principais numa narrativa que percorria décadas.
Só a Netflix se dispôs a arcar com o orçamento e fez um lançamento restrito nos cinemas só para permitir que a obra pudesse ser indicada ao Oscar. A maioria assistiu no streaming, como se fosse uma minissérie, em maratona ou episódios, como brincou Chris Rock na cerimônia de premiação da Academia de Hollywood (“Martin, adorei a primeira temporada de O Irlandês”).
Agora, num cenário muito diferente após a pandemia do Covid-19, Scorsese lança Assassinos da Lua das Flores, um pouquinho mais curto, contando um fato real varrido debaixo do tapete da História Americana, reunindo sob seu comando pela primeira seu ator favorito no século XX, Robert De Niro, com o predileto do novo milênio, Leonardo DiCaprio.
A missão no contexto atual é combater o comodismo do streaming e mostrar porque ainda vale a pena ver filmes – de arte – na telona. Curiosamente, quem bancou a maior parte dos US$ 200 milhões (recorde na carreira de Scorsese) foi outro serviço de streaming, a Apple TV+, que deve exibi-lo após sua carreira nas telonas.
A trama gira em torno da súbita fortuna dos Osage, um dos povos originários da América do Norte, que como tantos outros, foi obrigado a se mudar de um lado para outro do continente pelo governo do homem branco, sem levar em consideração sua cultura e seus locais sagrados.
Em sua última relocação, no Oklahoma, descobriram petróleo em sua reserva, fazendo deles uma das populações mais ricas per capita do planeta. Só que a riqueza também trouxe a tragédia.
Os osages começaram a morrer de forma misteriosa – ou não, envenenados, baleados, explodidos -, tudo sob o olhar complacente das autoridades locais, que também lucravam com o morticínio.
O roteiro se centra em William Hale (De Niro), um vilão paternalista, manipulador e implacável; e seu sobrinho Ernest Burkhart (DiCaprio), recém-chegado das trincheiras da I Guerra Mundial, um marginal idiota que acaba se casando com uma das osage detentora dos direitos de exploração do petróleo.
A atuação de Lily Gladstone como Molly merece um destaque à parte. A atriz relativamente desconhecida é a alma de um filme que, além de seus dois mega-astros, ainda tem coadjuvantes de luxo como Jesse Plimons (Ataque dos Cães), John Lithgow (O Escândalo) e Brendan Fraser, vencedor do último Oscar de Melhor Ator por A Baleia.
Ela transmite a impotência, indignação, desespero e, mesmo assim, orgulho e dignidade de um povo submetido à ganância dos brancos e, pessoalmente, a uma relação pra lá de abusiva. O livro de David Grann, em que o filme se baseia, foca na investigação do recém-criado Bureau de Investigação, futuro FBI, mas o diretor decidiu focar a história na relação de Ernest e Molly.
Uma mudança que desagradou a Paramount, mas fez com que o papel de Lily crescesse. É barbada para o Oscar de Atriz Coadjuvante.
Se os blockbusters usam a metragem longa como uma forma de comida por quilo do entretenimento, em Assassinos da Lua das Flores Scorcese usa cada minuto para contar sua história, desenvolver seus personagens e criar uma tensão que faz com que nós não nos percebamos as três horas e cacetada.
O cineasta usa todo o seu arsenal narrativo, com planos-sequência, som, música e direção de atores exemplares, e encerra sua obra de forma inusitada, criativa e surpreendente.
Um filme que tem a duração necessária e que deve ser visto no cinema. Sem mais, nem menos.
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