Review | Coração Ardente

Coração Ardente, Massa Inoperante

Coração Ardente traz uma história ficcional que dá início à produção, até que ela se apresente nos moldes de um documentário, ou seja, com os tradicionais depoimentos e todo o estilo de reportagem jornalística, típicos do gênero. Assim, com Antonio Cuadri na direção dos trechos dramatizados e Andrés Garrigó no comando dos depoimentos, que se intercalam no andamento do filme, ele segue até revelar de fato a que veio: ser um documentário de abordagem assumidamente católica.

Lupe Valdés (Karyme Lozano) é uma escritora com bloqueio criativo há um ano. Pressionada pelo seu editor, ela recebe o ultimato de quinze dias para lhe entregar algum material escrito ou terá o contrato de trabalho rompido.

Ao conversar com uma colega sobre tal situação, lhe é sugerida uma explanação sobre as histórias de aparições do Sagrado Coração de Jesus. Desse modo, conforme a protagonista avança em suas pesquisas, o espectador é apresentado aos segmentos documentais que tratam do tema.

As pesquisas da escritora vão desde a suposta visão que a freira Margarida Maria de Alacoque teria tido, no século XVII, de um coração pulsante em chamas, envolto por uma coroa de espinhos, até os pingentes dessa imagem, utilizados atualmente por soldados em guerras, como símbolo de proteção divina (algo que soa um tanto quanto incoerente e antiético, afinal, mata-se o oponente com a consciência tranquila de que um deus tomou o seu partido, enquanto o outro lado é tido como alheio a uma bênção e, assim, sua vida e sua fé têm menos valor. Uma visão muita egoísta e reduzida da complexidade da sociedade).

Louvor

O filme chega ao ponto de chamar o importante fato histórico da Revolução Francesa de uma tendência anticristã, justificando que esse grande evento só obteve sucesso graças ao Rei Luís XVI não ter dado atenção à solicitação da freira Alacoque, uma provável intermediária de mensagens de Cristo, para que o país fosse consagrado (dedicado solenemente) a deus.

Como se isso não fosse o suficiente, é mostrado com louvor os deputados da Assembleia Legislativa de El Salvador em um momento de oração bem recente.

Com uma justificativa de espalhar o amor, os missionários presentes no documentário parecem não perceber que são meras ferramentas da Igreja, para expansão de poder e demarcação de território, como num jogo de War.

É importante ressaltar que todos são livres para professar sua fé, desde que não intercedam na liberdade alheia, algo que não é respeitado, quando se interfere no trabalho do Estado e até mesmo quando se tenta reescrever a História, sob um viés contraproducente.

Com atuações que beiram o amadorismo e entrevistas embaraçosas, a obra audiovisual não tem muita capacidade de atrair interesse de um público que não compactua da mesma visão de mundo.

Talvez, funcione bem para fiéis reafirmarem sua fé em encontros da igreja. Em suma, é interessante ter contato com esse tipo de material, para se ter noção das bolhas alienantes em que estamos inseridos e, assim, se ter o cuidado de reafirmar os ideais iluministas perante o perigoso medievalismo que insiste em se manter operante, impedindo avanços sociais básicos.

 

* Coração Ardente chega exclusivamente aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 10 de março, com distribuição da Kolbe Arte Produções e Magnificat Entretenimento.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *