Review | Coringa

Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e muito elogiado no Festival de Toronto, Coringa vem trilhando seu caminho rumo ao Oscar com muito alarde, seja pelos elogios à performance de Joaquin Phoenix ou pelas críticas negativas pela forma com que aborda a violência, na palavra dos detratores: estimulando comportamento incel de maneira irresponsável.

A bem da verdade é que Coringa é sim um filme violento – caberia classificação 18 anos. Saí da sessão ainda meio zonzo e empolgado, fiz questão de ficar na sala até o final dos créditos para ir digerindo o que havia acabado de testemunhar. Os 20 minutos finais são arrebatadores. PS: já aviso de antemão que não há cenas pós-créditos.

É até compreensível algumas reações negativas à forma com que o diretor Todd Phillips (Se Beber Não Case) retrata o Joker, ou melhor, Arthur, um personagem tão humano e marginalizado que é até difícil chamá-lo por seu “nome de personagem de HQ”. E é justamente pela coragem de Phillips em mergulhar na mente perturbada de Arthur que o filme se sobressai a qualquer outro filme de heróis e vilões.

Coringa é um estudo de personagem como eu nunca havia visto em um filme baseado em HQs. Nem mesmo Logan – um dos mais elogiados dos últimos anos – tem tanta complexidade. E o melhor disso tudo é que, mesmo com seu filme solo, Arthur continua misterioso.

Conforme a história avança, vamos entendendo melhor alguns de seus comportamentos e vendo toda sua transformação em Joker, mas ele permanece tão inconstante e imprevisível que nas cenas em que divide espaço com alguém a tensão paira no ar. Não sabemos o que pode sair dali.

Além de um excelente estudo de personagem, Phillips traz o filme para uma realidade palpável, mostrando como toda a podridão da sociedade e da burguesia de Gotham City influenciam o homem. A cinematografia de Lawrence Sher retrata Gotham City como a Nova York dos anos 70, uma cidade suja e violenta, à beira do caos, atacada por super-ratos e governada por uma elite que se esconde atrás de portões de ferro. É o velho “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe? Ou o contrário?”. Só que o Joker não é tão simples, sua violência não é ativada por um único gatilho, é algo quase catártico gerado por diversos fatores, e é essa complexidade que torna filme e personagem fascinantes.

Phoenix está magnífico. Uma das melhores atuações dos últimos anos e provavelmente sua grande atuação na carreira. Uma entrega que vai além do físico, um trabalho digno dos prêmios e elogios que vem recebendo, e isso fica perceptível em cada risada, choro ou surto. É o provável favorito ao Oscar de melhor ator em 2020.

Coringa vem para ser um marco nas adaptações de personagens de HQs. Há algumas escolhas que parecem ter a mão do estúdio, como uma certa sequência no terceiro ato, porém, é um filme de autor, Phillips impõe sua assinatura e só por isso o filme já mostra soberania sobre tudo o que tínhamos visto nessa última década dominada por heróis.

Um filme que, enfim, cai como luva para um gênero que se mostrava desgastado e para um estúdio que estava desacreditado após diversas apostas decepcionantes. É possível sair da fórmula e ousar. Por mais filmes assim.

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Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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