Review | Era Uma Vez em… Hollywood

Antes de tudo, um desabafo…

Desde que Quentin Tarantino anunciou que faria apenas dez filmes ao longo de sua carreira, a expectativa para seu penúltimo longa deixou seus fãs em alerta máximo – digo “seus fãs” porque é notório que uma parcela do público não gosta de seu estilo, afirmando que o diretor se repete e se perde na violência e na vingança.

É até irônico ouvir isso numa época em que o cinema é dominado por blockbusters de super-heróis, continuações (pouco necessárias), derivados de grandes franquias (Velozes & Furiosos, Animais Fantásticos e Onde Habitam) e, mais do que nunca, pela nova onda dos live-actions.

Hoje em dia, poucos cineastas produzem filmes com tanto esmero e carinho quanto Tarantino. A maneira com que ele brinca com fatos, histórias, personagens e diálogos é genuinamente original. Para o cinéfilo apaixonado pela sétima arte, é sempre um prazer ir ao cinema presenciar um novo filme de Tarantino, que também é um cinéfilo, como deixa bem claro em um aviso assinado por ele próprio e exibido antes do filme começar, com um pedido para que as pessoas não espalhem spoilers do filme àqueles que ainda não o assistiram. Por isso, essa resenha não terá quaisquer tipo de informações detalhadas do filme.

Pronto, vamos ao que vimos…

Como o próprio título já diz, Era Uma Vez em… Hollywood é uma história sobre Hollywood, contada através do olhar de duas pessoas que, por si só, traduzem a paixão de Tarantino pelo cinema.

Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator que fez muito sucesso em uma série de faroeste na televisão e que fracassou ao tentar a carreira no cinema. Em profunda crise existencial, entra em parafuso ao ser relacionado aos spaghetti italianos – gênero venerado por Taranta – e vislumbrar o fim de seus tempos áureos. Seus rompantes de fúria e desespero transmitem um misto de pena e comicidade que DiCaprio tira de letra. Dalton é a representação de uma geração de atores em fim de carreira que tiveram de se reinventar, assim como fora o ano de 1969 – no qual se passa a história do longa – para toda a geração Woodstock.

Já Cliff Booth (Brad Pitt) é o dublê e amigo para todas as horas de Dalton, mas não se engane, mesmo sendo bonito e talentoso demais para ser apenas um dublê – capaz de enfrentar de igual para igual um tagarela Bruce Lee (Mike Moh) – ele vem acompanhado de um passado obscuro – outra ironia que não dá pra saber até onde vão as intenções de Tarantino, já que o diretor era bem próximo de Harvey Weinstein. Booth é o anti-herói pelo qual gostamos de torcer e Pitt dá a seu personagem carisma e charme necessários para que sigamos com ele até o final.

Obviamente, a presença mais aguardada por muitos – desde que foi confirmado sobre o que seria o filme – é a Sharon Tate de Margot Robbie (Esquadrão Suicida), uma espécie de beldade que flutua e dança em cena sempre com um sorriso no rosto, acompanhada por uma fotografia reluzente e amarelada, como se o sol de Tarantino só brilhasse pra ela, um carinho que transborda em cena.

Entre os coadjuvantes, Kurt Russell não tem o mesmo protagonismo de À Prova de Morte e Os Oito Odiados. Outras caras conhecidas seguem o mesmo caminho: Dakota Fanning é uma das hippies da família Manson e Emile Hirsch é um amigo próximo a Tate e Polanski. Esses rostos, por mais conhecidos que sejam, não têm o mesmo charme de outros nomes da indústria que também dão as caras por aqui, como Steve McQueen (Damian Lewis), que surge em uma festa para explicar o triângulo amoroso vivido por Tate, Polanski e o personagem de Hirsch; o Bruce Lee de Mike Moh, que tem um dos momentos mais bacanas do filme, num embate contra Booth; e o George Spahn de Bruce Dern – que substituiu o falecido Burt Reynolds – proprietário do rancho onde os hippies seguidores de Manson se instalaram. Até mesmo as referências a nomes como Yul Brynner estão inseridas em diálogos criados por Tarantino que só o mais atento fã da sétima arte irá “pescar”.

Como eu falei acima, Tarantino brinca com suas peças como poucos no cinema de hoje, e aqui não é diferente. Sua homenagem a uma geração que hoje sobrevive como um sopro do que quase foi – ou do que poderia ter sido – vai ganhando contornos dramáticos e tensos conforme a narrativa avança. Em alguns momentos, é impossível adivinhar o que está por vir: tememos por Booth e principalmente por Tate, mesmo já tendo conhecimento de seu trágico final.

E é este o grande trunfo de Era Uma Vez em… Hollywood. Por mais que Tarantino mantenha um pé na realidade e um olhar no vizinho ao lado – Dalton mora ao lado de Polanski e Tate – ele não quer apenas recontar uma história trágica – por mais que isso flerte com seu estilo sanguinário e explosivo de fazer cinema. Suas intenções são belas e genuínas, indo muito além da triste marca que o ano de 1969 deixou para a história de uma geração – além do assassinato de Sharon Tate, uma tragédia também aconteceu em um show dos Rolling Stones em dezembro daquele ano, como mostrado no documentário Gimme Shelter.

Ao final, Era Uma Vez em… Hollywood entrega tudo aquilo que um fã de Tarantino espera de um filme do diretor, desde suas características mais marcantes até as homenagens àquilo que ele mais gosta de fazer – o som de um projetor invadindo a sala de cinema é de arrepiar, assim como uma Tate com brilho nos olhos se vendo na tela do cinema e Booth e Dalton assistindo ao seriado protagonizado pelo ator no sofá de casa. Uma ode a uma saudosa Hollywood.

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Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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