Review | Hebe – A Estrela do Brasil

As cinebiografias de artistas e celebridades brasileiras viraram um subgênero com certa relevância em nosso cinema. A importância é tanta que Bingo: O Rei das Manhãs foi nosso representante na tentativa de conseguirmos uma indicação ao Oscar em 2018. Não rolou.

Com uma gama variada de artistas, que vão do rádio à tevê e dos palcos às ruas, é até irritante que muitas destas cinebiografias se apoiem numa estrutura formulaica, que quer dar conta de sintetizar a vida dessas pessoas da infância à vida adulta em um filme com menos de duas horas. Geralmente fica apressado, o biografado não passa de uma caricatura ou uma imitação sem profundidade e o filme vira um resumão em capítulos que será transmitido como uma minissérie dividida em duas ou três partes no horário nobre da TV aberta.

Acertadamente, Hebe – A Estrela do Brasil traz um recorte da vida de uma das maiores telecomunicadoras do país, já fugindo do velho pragmatismo de mostrar sua infância, adolescência e fase adulta e se encerrando no auge de sua carreira. O roteiro de Carolina Kotscho (Dois Filhos de Francisco) pega a mulher Hebe e a coloca tanto em casa quanto em frente às câmeras para mostrar ao espectador porque ela se tornou a estrela do Brasil.

É 1985, o Brasil transita da ditadura para a democracia, e Hebe (Andréa Beltrão, de Cazuza: O Tempo Não Para) está infeliz em seu programa na Bandeirantes, onde sofre constante censura do então diretor Walter Clark (Danilo Grangheia, de O Roubo da Taça). Desamparada e desgostosa, Hebe decide abandonar a emissora, até que recebe um convite inesperado de Silvio Santos (Daniel Boaventura, de Mulheres Alteradas) para assinar com o SBT e conduzir seu programa ao seu bel prazer: ao vivo e com um cenário de seu agrado.

Hebe: mãe, mulher e ícone

O maior trunfo desta abordagem é já ilustrar Hebe como uma das maiores e mais relevantes apresentadoras de seu tempo. Com isso, o diretor Maurício Farias (Vai que Dá Certo e A Grande Família: O Filme) tem tempo suficiente para se aprofundar na mãe e na esposa. Os constantes embates com o marido Lélio (Marco Ricca, de Chatô, O Rei do Brasil), que se enciumava com cenas banais, como numa apresentação romântica de Roberto Carlos (Felipe Rocha, de Como Nossos Pais) em um dos programas, mostram como Hebe não se rebaixava perante a ele. E com isso, fica claro para nós que a Hebe de casa se refletia em frente às câmeras e nos bastidores de seu programa.

Além das lutas contra o machismo e o ciúmes do marido, contra a repressão que sofria das autoridades conservadoras e as constantes ameaças de processo por falar abertamente contra os políticos em seu programa, o longa também expõe o lado humanista, provocativo e ativista de Hebe, seja no apoio ao amigo íntimo Carlucho (Ivo Müller), vítima da AIDS – o que posteriormente a fez levar um médico especialista no assunto ao seu programa – como também quando levou Roberta Close (Renata Bastos) ao programa e a declamou como “a mulher mais linda do Brasil”.

É certo que o longa não dá conta de se aprofundar no lado influencer de Hebe e até passe pano para seu apoio à candidatura de Paulo Maluf – se resumindo a um breve “dizem que ele é ladrão”. O filme não se torna “chapa branca” por evitar demonizar a perigosa relevância da opinião da apresentadora perante seu grande público – por mais que o longa já seja um recorte, ele não consegue dissecar tudo – mas infelizmente, quando poderia mostrar o lado negativo de artistas que fazem campanhas para políticos, ele fica devendo.

A estrela de Beltrão

Precisamos falar de Andréa Beltrão, a dona do show. Seria muito fácil – ou muito difícil? – imprimir os trejeitos de Hebe, tentar imitar seu sotaque característico do interior e construí-la a partir de seus bordões e de sua personalidade extravagante. A extravagância da Hebe de Beltrão, felizmente, se resume aos figurinos.

A atriz evita se apoiar numa imitação da apresentadora e, com isso, a personagem é autenticamente sua. Beltrão tem o poder tanto sobre o texto quanto sobre sua presença em cena. Sabemos que ela é Hebe, mesmo que suas aparências, vozes e sotaques sejam diferentes. A todo instante a câmera de Farias a acompanha e a focaliza por diversos ângulos, somos reféns de seu poder e de sua presença.

Hebe – A Estrela do Brasil é um retrato de quem estava à frente de seu tempo, seja na luta pelos menos favorecidos ou na luta contra a censura. Hebe foi uma mulher que batalhou contra a postura opressora de diversos homens e do sistema numa época em que muita coisa não era aceita em TV aberta, muito menos em um programa ao vivo como o dela.

Um filme necessário e que te tira do cinema com um sorriso no rosto. Pessoas assim fazem falta hoje em dia. Filmes assim deveriam se tornar mais comuns em nossas cinebiografias.

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Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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