Review | Ad Astra – Rumo às Estrelas

É curioso ver James Gray (Era Uma Vez em Nova York) indo ao espaço em seu novo filme. Digo isso porque quem acompanha sua carreira sabe que o diretor nunca havia tirado os pés da terra firme para tratar de relacionamentos familiares e paixões avassaladoras – no máximo havia buscado por uma certa cidade perdida na floresta amazônica. Seus personagens e suas relações sempre foram tema central de suas histórias – na maioria das vezes passadas no Brooklyn em Nova York – e numa ficção científica seria muito fácil se deslumbrar com todo o universo à disposição.

E talvez essa embalagem sci-fi pegue muitos de surpresa: Ad Astra – Rumo às Estrelas não é um filme de ficção científica convencional. As comparações com Gravidade, Interestelar e A Chegada são compreensíveis, apesar de injustas. Com exceção da roupagem espacial, Ad Astra em quase nada se assemelha a estes exemplos citados, seu foco está no drama existencial entre pai e filho, sem viagens no tempo e sem cenas grandiosas de tirar o fôlego – embora haja uma excelente sequência de ação em solo lunar que remete a uma sequência de Os Donos da Noite, outro filme de Gray.

O cinema de Gray sempre lidou com laços afetivos, escolhas arriscadas, questões mal resolvidas, decepções, culpas e remorsos de suas personagens, e isso o acompanha desde seu primeiro trabalho, Fuga de Odessa (1994), uma história de dois irmãos, um deles renegado pela família. Depois Gray seguiu com a tratativa entre irmãos e famílias problemáticas em Caminho Sem Volta (2000) e Os Donos da Noite (2007), para somente em Amantes (2008) centralizar num estudo mais íntimo de personagem – interpretado por um incrível Joaquin Phoenix, parceiro de longa data do diretor, que inclusive chegou a estar cotado para o papel que caiu nas mãos de Pitt – dessa vez, em Ad Astra – talvez pelo apoio do produtor brasileiro Rodrigo Teixeira – ele tenha resolvido sair do lugar comum para explorar novos horizontes, sem nunca abandonar aquilo que o mais fascina.

Em Ad Astra – Rumo às Estrelas, Roy McBride (Brad Pitt, de Era Uma Vez em Hollywood) é um astronauta que seguiu a carreira do pai (Tommy Lee Jones, de MIB – Homens de Preto), um pioneiro na viagem espacial que desapareceu há 16 anos após uma missão rumo a Netuno. A história se passa daqui a alguns anos – “numa época de esperança e conflitos” como nos conta uma legenda prévia – e Roy trabalha isolado no alto de uma antena quilométrica, que vai do solo à estratosfera terrestre. Após um acidente que quase lhe custa a vida, causado por picos de energia seguidos de explosões, Roy é designado para a mais pessoal das missões: investigar a origem desses picos, causados por anti-matéria vinda de Netuno – o lugar para qual seu pai fora e talvez ainda esteja – e que ameaça toda a vida do planeta Terra.

Nesta viagem, Gray coloca duas coisas na bagagem e as explora muito bem até o final: a primeira delas é Brad Pitt. O ator consagrado por diversos papéis que exploravam sua beleza e seus trejeitos, dessa vez, está contido num papel que explora muito mais suas emoções e sua voz, e isso se deve ao fato de seu personagem ser reconhecido por sua calma – seus batimentos cardíacos nunca ultrapassam os 80bpm. Por vestir uma roupa espacial em grande parte do tempo, Pitt precisa se expressar através do olhar, então constantemente o silêncio impera – ele é do tipo que ouve, assimila e pensa se vale a pena falar.

Cabe a Pitt nos convencer que os silêncios de Roy se devem à forma de vida que este escolheu levar: ele não tem família próxima, tem lembranças vagas da ex-esposa – uma Liv Tyler que aparece vez ou outra, nunca de maneira nítida – e prefere o silêncio da estratosfera ao caos urbano – o que fica claro na base lunar, que se transformou numa espécie de segunda Terra, lá ele se sente incomodado, “somos destruidores de planetas“, narra o personagem – por isso, Roy é obrigado a nos falar muito mais pela ótima narração de Pitt – numa assinatura bem malickiana – e também por meio de simples gestos, como uma lágrima que escorre silenciosamente de seu rosto ou num grito abafado pelo vácuo do espaço.

A outra coisa com a qual Gray trabalha bem é a ficção científica de fato. Alguns filmes do gênero têm intenções contemplativas e intimistas, mas não obtêm êxito em explorar as diversas possibilidades que uma viagem ao espaço pode proporcionar – como o recente High Life de Claire Denis. Porém, Gray tem uma ideia sólida do que será a viagem espacial daqui a alguns anos e consegue elucidar coisas verossímeis de maneira até cômica, e por vezes ousada, sem perder nossa atenção, como viagens comerciais à lua onde se vendem cobertores a 100 dólares aos passageiros, piratas em solo lunar que saqueiam os visitantes e uma base subterrânea em Marte, a última antes do infinito do Universo.

Sem abrir mão de suas virtudes mais humanas, Gray mascara o drama intrapessoal e interpessoal de Roy com esta roupagem espacial, os momentos na Lua e em Marte são fascinantes, tanto pela maneira com que Gray os constrói – e aqui destaco a belíssima fotografia do renomado Hoyte van Hoytema (Dunkirk, Interestelar e Ela) -, como ao mesmo tempo em que desconstrói e reverbera a falta de esperança que habita Roy – “por que insistir?” solta o introspectivo personagem após uma grande frustração – a dúvida dele reside entre o mais profundo sentimento de querer salvar o pai de seu isolamento forçado e a resistência em reencontrar o homem que nunca se importou de fato com ele e a família.

Ad Astra – Rumo às Estrelas só não é melhor porque Gray cai nos clichês do gênero no ato final. Quando vemos filmes de pessoas que vão ao espaço algumas desavenças são esperadas, mas incomoda quando seus dilemas já estão resolvidos e as convenções começam a acontecer, e Gray não consegue fugir destes buracos negros, tornando o final corrido e menos inspirado que o de seus trabalhos anteriores, ainda que desperte alguma esperança.

De qualquer forma, em suma, é um filme muito maduro com o qual Gray ousa sabendo muito bem onde está pisando, e o melhor de tudo, confirmando que é um diretor que não abre mão de sua assinatura – mesmo num filme de estúdio – e que consegue, pelo menos na maior parte do tempo, fugir às convenções de um gênero que permite diversas possibilidades àqueles que se permitem ir além do impossível.

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