Review | Predadores Assassinos

Quando lançou Tubarão, em 1975, Steven Spielberg não sabia que estaria incentivando duas coisas: os blockbusters e o subgênero de animais assassinos. O que Spielberg não sabia também era que, ao mesmo tempo em que contribuiu para que aquele tipo de filme prosperasse, ele também o naufragava. Ora, Tubarão é uma obra-prima suprema e inalcançável em termos técnicos – e nem preciso pedir para você levar em conta a época em que foi feito – e tudo o que veio depois dele nunca atingiu o mesmo patamar.

Até mesmo o mestre do suspense, Alfred Hitchcock já havia brincado com animais assassinos em seu Os Pássaros, de 1962, mas lá ele explorava um comportamento arredio de aves, o que não se compara com predadores gigantes atacando pessoas e decepando seus membros.

Mesmo com as fórmulas já prontas de Spielberg e Hitchcock, o subgênero de animais assassinos sempre flertou muito mais com o trash, indo de Piranha (1978) a Pânico no Lago (1999). E mesmo quando a proposta foi dar aos filmes um tom mais sério – como nos recentes Águas Rasas (2016) e Medo Profundo (2017) – nem sempre ela funcionou bem. A cada novo filme do tipo – e realmente dá pra citar dezenas deles aqui – parece tarefa impossível vermos algo que irá revolucionar o gênero ou pelo menos chegar próximo do clássico de Spielberg.

A tarefa é ingrata, e talvez este que vos escreva esteja subestimando muitos filmes assim como exagerando no olhar crítico para propostas propositalmente banais, obviamente nenhum dos diretores que navegaram por essas águas tentaram se equiparar a Spielberg.

Essa introdução é apenas para afirmar que Predadores Assassinos não escapa da fórmula que já vimos inúmeras vezes em filmes com crocodilos gigantes, ainda que consiga, em diversos momentos, cumprir sua proposta de nos entreter, deixando seus personagens em grande risco sem os poupar dos ataques cruéis dos jacarés – e não crocodilos.

O cineasta francês Alexandre Aja não é nenhum novato, ele estreou nos cinemas há 20 anos dirigindo Furia, mas foi com Alta Tensão (2003) que ele ganhou maior reconhecimento e depois ainda viria a dirigir dois remakes de clássicos do gênero de horror: Viagem Maldita em 2006 – remake de Quadrilha de Sádicos, de 1977 – e Piranha 3D, de 2010 – remake de Piranha, de 1978.

Por já estar habituado a um cinema de gênero, pode-se dizer que as intenções de Aja neste Predadores Assassinos talvez nem sejam tão pretensiosas, mas com os bons efeitos aplicados, principalmente nos animais gigantes, que funcionam em grande parte do tempo, é difícil não exigir cada vez mais do filme, aí vai do nível de boa vontade de cada espectador.

Se Aja nunca revolucionou nada, o produtor Sam Raimi já – com A Morte do Demônio em 1981 – e seu envolvimento no projeto gera uma expectativa elevada, porém, mais uma vez, é injusto comparar mestre com pupilo. A Aja o que é de Aja. A Raimi o que é de Raimi.

Na história, Haley (Kaya Scodelario) sempre contou com o apoio do pai Dave (Barry Pepper) na natação durante sua infância, mas nunca conseguiu ser uma colecionadora de troféus, apenas de segundos lugares. Já adulta, Haley nunca aceitou a separação dos pais e as rusgas apareceram, ela se tornou a ovelha negra da família e ambos acabaram se distanciando. Quando um enorme furacão atinge sua cidade natal na Flórida, Haley ignora as ordens das autoridades para deixar a cidade e vai em busca de seu pai que está desaparecido e não responde suas mensagens. Ao encontrá-lo no porão da antiga casa da família, os dois ficam presos na inundação. Enquanto o tempo passa, Haley e seu pai descobrem que o aumento do nível da água é o menor dos seus problemas.

Como era de se esperar de um filme que tem menos de 90 minutos, a ação não demora a acontecer, e quando  acontece é pra valer. Aja tem uma mão pesada na direção e sempre explorou bem o gore e as cenas mais tensas em seus filmes anteriores, aqui não é diferente, ele fica no limite do exagero – compreensível para o tipo de filme que está fazendo – forçando em algumas situações em que sacrifica seus personagens, mas sempre voltando para sua zona de conforto quando apela para algumas convenções do gênero. Ele é um diretor provocador – no sentido sádico mesmo – que gosta de nos envolver com os personagens para depois ir nos torturando aos poucos.

A grande virtude do filme é contar com jacarés tão reais, e por isso deve-se destacar o incrível trabalho de CGI que os tornou criaturas apavorantes e ameaçadoras que parecem impossíveis de serem vencidas por Haley e seu pai. A chuva torrencial lá fora e a água turva que esconde os jacarés ajudam a manter o nível de tensão elevado, o perigo está à espreita, mas é impossível saber de onde vem. Enquanto trabalha no campo da subjetividade o filme acerta muito, mas numa história de suspense que conta com monstros submersos é preciso que eles venham à superfície para nos assustar. E eles vêm.

O título original do longa – Crawl – faz uma inteligente alusão tanto a um dos estilos da natação quanto ao rastejar dos jacarés. Esta comoção com o passado de Haley o roteiro da dupla Michael e Shawn Rasmussen utiliza da pior forma possível, revertendo a proposta de tensão que se espera de um filme desses para uma proposta de filme de superação por meio de frases de incentivo proferidas pelo pai. Nesses momentos o clima fica piegas e força uma emoção que só atinge os mais abalados, os flashbacks também não ajudam.

No ato final, a trama ruma para o que se espera dela, situações de enclausuramento dos protagonistas, jacarés surgindo a todo instante e fugas de última hora de maneiras inimagináveis, mesmo na curta duração de 90 minutos chega uma hora que cansa, talvez pelo exagero das situações que Aja impõe aos protagonistas, com isso, a sensação de descrença vai imperando de maneira gradativa, mesmo na boa sequência dentro do banheiro há certa conveniência do roteiro, mas, logicamente, serve à proposta.

Com um drama sólido entre pai e filha e diálogos com humor inteligente, Predadores Assassinos é mais que somente um filme de animais assassinos, a casa em ruínas invadida por jacarés esfomeados e uma chuva torrencial é simbolismo puro para a situação em que aquela família se encontra, esta subjetividade nem precisa ser escancarada, ela ainda emerge no meio de tantas situações exageradas, nesses momentos é preciso se apegar ao que está ao nosso alcance, e filmes de suspense geralmente trazem uma boa lição para o espectador mais atento.

 

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