Review | Guerra Civil

Com o chamariz da presença de Wagner Moura entre os protagonistas, Guerra Civil estreou em primeiro lugar no Brasil, repetindo o que havia feito uma semana antes nos EUA, na primeira vez que um filme da A24 liderou as bilheterias de lá.

Também foi o melhor lançamento de uma produção do estúdio A24, responsável por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Hereditário.

Vou dividir este review em SEM spoiler e, mais adiante, COM spoiler, porque há muito a ser dito sobre esta obra de Alex Garland (Ex Machina). Para quem tem presa e ainda não viu: sim, é um filmão que merece ser visto em tela grande e, sim, Wagner Moura nos enche de orgulho.

A história se passa num futuro não muito distante, em que a presidência é ocupada por um tiranete (Nick Offerman, de Parks and Recreration, que no ano passado nos emocionou no terceiro episódio de The Last of Us), um Donald Trump a quem só falta a peruca acaju, que não está disposto a abrir mão do poder, enquanto uma coalizão formada pelo Texas e a Califórnia marcha contra Washington D.C., e o resto do país caiu, ou na barbárie, ou na indiferença.

As razões do fim dos Estados Unidos não ficam explícitos no roteiro, mas o filme deixa implícito que estão presentes na atualidade real. Os protagonistas Lee (Kirsten Dunst), uma fotojornalista calejada e desiludida, e Joe (Wagner Moura), um repórter que guerra viciado em adrenalina, decidem embarcar numa jornada rumo a um furo: entrevistar o presidente antes de sua derrocada.

A eles vão se juntar o veterano Sammy (Stephen McKinley Henderson, coadjuvante manjado de filmes como Lincoln e Lady Bird: A Hora de Voar) e a aspirante a fotógrafa de guerra Jessie (Cailee Spaeny, a Priscilla do recente filme de Sophia Coppola).

A crítica Isabela Boscov compara a viagem a seguir com o livro Coração das Trevas, de Joseph Conrad, e o filme que inspirou, Apocalipse Now. A diferença fundamental entre o romance –  que fala dos horrores do colonialismo na África, e a obra-prima de Francis Ford Coppola – sobre a lógica da guerra levada às últimas consequências – é que as duas histórias se passam longe do que chamamos de civilização ocidental, ou os dois lados do Atlântico Norte.

Aqui, o horror se passa no território do último império global, não por conta de uma invasão estrangeira (como os risíveis Amanhecer Violento, de 1984 e 2012) ou alienígena (como Independence Day ou Guerra dos Mundos); mas pelas contradições internas do país.

A coalizão Texas-Califórnia do filme reúne não apenas dois estados ideologicamente antagônicos (Texas = pena de morte; Califórnia = maconha legalizada) mas os mais ricos integrantes da união. E para os correspondentes de guerra – para quem cada cobertura é uma aventura -, haverá a descoberta de que, no coração da América, as regras que costumam proteger os jornalistas em qualquer buraco do mundo podem não valer um dólar furado. E a partir daqui…

SPOILER ALERT.

A secessão americana de Guerra Civil não é uma divisão em duas, mas várias facções. Além das Forças do Oeste (Texas-Califórnia), temos a Florida tentando engajar as duas Carolinas numa frente, e também diversas Terras de Ninguém, como os caipiras que controlam o posto de gasolina, franco-atiradores que emboscam uns aos outros sem motivo aparente, cidadezinhas que vivem como se nada estivesse acontecendo ao redor – embora sob uma vigilância de que não sabemos o custo – e o clímax emocional do filme, que é a sequência dos supremacistas.

A cena é dominada pelo excelente Jesse Plemons (marido de Kirsten Dunst na vida real, e que dividiu a cena com ela em O Ataque dos Cães), escalado de última hora pela desistência do ator inicialmente contratado. Ele está absolutamente assustador e eleva todo o filme com sua participação especial.

A inspiração para a Lee Smith de Kirsten Dunst é a fotógrafa Lee Miller, como a fã Jessie cita explicitamente. Ex-modelo, Lee Miller foi parceira e amante de Man Ray, virou correspondente da Vogue quando eclodiu a II Guerra, fotografou os bombardeios de Londres, foi a primeira a registrar os campos de extermínio de Dachau e Buchenwald e passou a vida assombrada pelo que testemunhou durante o conflito.

Kirsten, sem maquiagem e glamour, transmite a imagem de um profissional que já não tem ilusões sobre seu trabalho, e vê na jovem Jessie a si mesmo no início da carreira. Daí porque a aparência quase adolescente de Cailee no filme: para ser um contraponto ao cansaço de Lee.

Embora a simetria das duas personagens seja um “roteirismo”, com notou Isabela Boscov, não deixa de ser uma passagem de bastão intencional da fotógrafa veterana: seja como for, alguém tem que fazer o trabalho sujo. E para quem, afinal de contas?

Se os EUA estão em frangalhos, ainda existe o resto do mundo. O Joe de Moura é repórter da Reuterns, a Anya de Sonoya Mizuno (atriz recorrente nos trabalhos do diretor Alex Garland) é uma jornalista britânica (BBC) e o desafortunados Tony (Nelson Lee) e Bohai (Evan Lai) são de Hong Kong. E, como em Handmaid’s Tale, o Canadá se torna os país mais importante da América do Norte.

O Joe de Wagner Moura, embora um jornalista tarimbado, inicialmente não entende a dimensão do conflito que está cobrindo, anestesiado pela necessidade de adrenalina e por porções diárias de álcool e maconha. Seus colegas Tony e Bohai também parecem ver a o conflito como um spring break, aquelas folgas universitárias de primavera, até se darem conta que dessa vez eles fazem parte da reportagem.

A cena final é até anticlimática, apesar das boas cenas de batalha no Lincoln Memorial e na Casa Branca transformada em fortaleza. A gente já vai adivinhando o desfecho, que tem um sentido dúbio a respeito do jornalismo, que talvez não seja totalmente satisfatório, mas não apaga os méritos dessa jornada contada com raro talento por Alex Garland e seu elenco.

Para surpresa de todos, o cineasta disse em entrevista durante o tour de divulgação, que não pretende mais dirigir, e quer se dedicar apenas aos roteiros. Se isso acontecer, será uma pena, justamente após o que caminha para ser seu maio sucesso de público e crítica.

Nota do Editor: Guerra Civil liderou a bilheteria dos cinemas nacionais em seu final de semana de estreia, com mais de 260 mil ingressos vendidos e uma renda de R$ 6,5 milhões, entre a última quinta-feira (18 de abril) e domingo (21). Os números tornam o filme a maior estreia da A24 no Brasil e a maior bilheteria do ano para a Diamond Films.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *