Review | Nasce Uma Estrela

Muita gente torce o nariz para remakes, porém, uma das virtudes de revisitar a mesma história diversas vezes é perceber como essas adaptações “conversam” com a época em que foram lançadas. Nasce Uma Estrela, que chega aos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira, 11 de outubro, já foi adaptada para as telonas quatro vezes, o que permite a esta mistura de musical e romance revelar um pouco a respeito do tempo em que vivemos.

Infelizmente, não posso falar muito da versão de 1937, pois não a assisti, mas foi a partir dela que tudo começou, ao contar a história de uma jovem e seu sonho de brilhar em Hollywood. Como não podia deixar de ser, com o passar do tempo e a chegada de novas adaptações, o caminho para a conquista do sonho enfrentou variações.

Em 1954, com direção de George Cukor e Judy Garland no papel principal, Nasce Uma Estrela teve sua versão mais celebrada até então. Indicado a seis Oscars, trata-se de um dos musicais mais famosos da história, a representação perfeita da era de ouro do cinema.

Em 1976, foi a vez de dois astros da música protagonizarem a terceira versão, que ganhou um tom mais dramático e deixou de lado o aspecto de produção da Broadway. Com Barbra Streisand e Kris Kristofferson nos papéis principais e dividindo os números musicais, esta adaptação serviu como base para o roteiro da nova versão do musical.

Bradley Cooper (Se Beber, Não Case), que produz, dirige e atua nesta nova versão, é também uma das mãos que assina o roteiro. Seu envolvimento com Nasce Uma Estrela é tão grande, que o ator até solta a voz em algumas canções. Seu personagem é Jackson Maine, um músico com graves problemas de álcool e drogas que, logo após uma de suas apresentações, se encanta por Ally (Lady Gaga), com quem tem um relacionamento de altos e baixos e que irá alavancar a carreira dela enquanto a dele se deteriora cada vez mais.

São diversos os pontos a serem destacados como positivos em Nasce Uma Estrela. Vamos por partes.

Roteiro

O primeiro deles é o roteiro, escrito por Cooper, Eric Roth e Will Fetters, que mais uma vez recebe sua dose de época. Se nas outras versões as jovens sonhavam em fazer sucesso em Hollywood, ganhar um Oscar ou Grammy, aqui Ally é alçada ao posto de estrela do mundo pop – tal qual Gaga – e reserva uma leve crítica à indústria da música, personificada pelo empresário Rez (Rafi Gavron), embora me desagrade a escolha de pintá-lo como uma espécie de vilão da história. Um diálogo no terceiro ato, entre Rez e Jackson, deixa a coisa maniqueísta demais.

Além deste subtexto, há uma divertida cena no início do filme que traz a representatividade de parte do público de Lady Gaga, logo quando Jackson e Ally se conhecem em um bar onde drag queens se apresentam.

Mas o grande destaque do novo Nasce Uma Estrela vai para Bradley Cooper, certeiro em suas escolhas como diretor – e é incrível que faça isso em sua estreia. Logo de cara, o filme nos leva a uma apresentação de Jackson ao som de Black Eyes, com a câmera de Cooper nos levando diretamente ao palco, onde é praticamente possível “sentir” toda a vibração do público. Desta maneira, ele nos conecta ao seu personagem de maneira indefectível.

Com minúcia, Cooper revela os dramas de seu personagem, tornando-o uma vítima de si próprio e de seu vício em drogas e álcool, sem exagerar no drama e na autoindulgência. Sua relação com o irmão Bobby (Sam Elliott) é tão importante quanto seu relacionamento com Ally e, ao mesmo tempo que se mostra problemática, carrega muita compaixão e respeito, rendendo um dos diálogos mais fortes do longa.

Este lado humano e problemático de Jackson é o melhor desenvolvido em todas as versões que assisti até aqui, mais um ponto positivo desta nova versão de Nasce uma Estrela. Cooper soube podar muito bem as arestas e preencher as lacunas da versão de 76, principalmente na relação dos protagonistas, contando também com uma excelente sintonia com Gaga. E é justamente quando Jackson conhece Ally que ele parece enxergar não só talento em uma pessoa incrível, mas também uma razão para se manter vivo.

Gaga

Gaga está muito bem e dispensa comentários, embora sua presença ganhe mais força com Cooper em cena. Sua poderosa voz surpreende o público e a Jackson desde as primeiras notas, como na cena em que ele a admira cantar uma parte da ainda incompleta Shallow, que depois se tornaria o ponto alto de Ally na trama, quando ela enfim é notada pelo empresário Rez e embarca em sua carreira pop.

Por outro lado, Nasce Uma Estrela é um filme dosado no drama – até demais. Em alguns momentos, nota-se a falta de uma mão mais pesada de Cooper e fica evidente que ele opta por não demonizar demais seus personagens.

O filme perde força quando Ally e Jackson seguem rumos diferentes, mesmo estando casados. A carreira e as músicas de Ally são cansativas e genéricas, e Jackson percebendo isso se afunda cada vez mais nas bebidas. Falta aqui uma virada ou redenção para o casal, algo que demora a vir e que quando vem já é tarde demais – e feita de uma maneira lamentável (certo diálogo entre Jackson e Rez).

De qualquer forma, há de se respeitar as escolhas de Cooper, que demonstra ter muito carinho por seus personagens. E é justamente esta paixão e consciência ao produzir, dirigir, atuar e cantar em Nasce Uma Estrela que o elevará a um status antes inimaginável para muitos fãs, assim como colocará Lady Gaga novamente nos holofotes de Hollywood.

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Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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