Review | O Esquadrão Suicida

Se fosse possível processar trailers de cinema como propaganda enganosa, aquele do primeiro Esquadrão Suicida (2016) ao som de Bohemian Rhapsody seria um campeão de ações judiciais. O mesmo não acontece neste O Esquadrão Suicida, lançado nas telonas esta semana. Aliás, as chamadas entregam até mais do que deveriam, mas o que se vê nos trailers é basicamente o que se verá no longa, que é muito sangue e porrada.

James Gunn embarcou nesse barco quase por acaso, depois de ter sido cancelado e demitido da Marvel/Disney por conta de tweets de uma década antes. A DC aproveitou a oportunidade e contratou o cineasta, oferecendo-lhe o reboot do Superman, uma das joias da coroa da casa.

O criador dos Guardiões das Galáxias no cinema declinou a oferta e ao invés disso, preferiu recuperar uma das propriedades mais problemáticas da marca, o Esquadrão Suicida, cujo primeiro filme rendeu uma boa grana, revelou a Arlequina de Margot Robbie (que virou uma das propriedades mais valiosas da DC/Warner), mas que foi detonado pela crítica e fãs. Com toda razão.

Com carta branca do estúdio, Gunn deu asas à sua imaginação, chamou os parças – Michael Rooker, seu irmão Sean, o também cineasta Taika Waititi, Sylvester Stallone (que fez participação especial no segundo Guardiões) – e trocou Will Smith (que, segundo consta, teve conflito de agenda, mas não sei não…) por Idris Elba (perfeito como Sanguinário). O resultado é O Esquadrão Suicida, com o artigo diferenciando do filme de David Ayer, indicando que não é uma continuação, mas também não chega a ser um reboot.

Corto Maltese

A história em si não poderia ser mais genérica: a Força-Tarefa X (nome oficial do Esquadrão) deve invadir uma republiqueta latino-americana (Corto Maltese, que aparece no Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, e que homenageia o marinheiro-aventureiro de Hugo Pratt), que teve deposto o governo pró-EUA, e destruir um laboratório localizado naquele país.

Para isso, Amanda Waller (Viola Davis, com todo seu peso de grande atriz reconhecida) recruta novos supercriminosos para a missão, mas faz questão de contar com o Sanguinário. Para isso, a implacável agente do governo não hesita em ameaçar mandar a filha do criminoso para uma penitenciária com alto grau de mortalidade (Belle Reve é conhecida pelos fãs de quadrinhos).

Dentre a miríade de personagens bizarros apresentados no prólogo (a maioria, bucha de canhão), destaca-se a Caça Ratos 2, interpretada pela portuguesa Daniela Melchior, que Gunn faz da própria personagem uma lusitana. Com o poder de controlar ratos, graças a um cetro herdado do pai (o Caça-Ratos 1, vivido por Taika Waititi), ela é o coração da turma. Junto com o Tubarão Rei (voz de Sylvester Stallone) e o Bolinha (David Dastmalchian, a cara do Gregório Duvivier) forma os underdogs do Esquadrão.

Outro destaque é o Pacificador, encarnado pelo ex-WWE John Cena, que já ganhou uma série em produção na HBO Max. É um patriota radical que veste um uniforme idêntico aos quadrinhos, com suas cores berrantes e capacete de penico. Forma com  Sanguinário e Rick Flagg (Joel Kinnaman, de volta ao papel) o núcleo de machos alfa da equipe.

A Arlequina é a estrela da companhia, e não é só do filme. Embora não seja mencionado, a ação deve ser depois de Aves de Rapina, tanto é que ela já é uma celebridade, a ponto de receber tratamento VIP do presidente golpista. É dela a melhor e mais longa cena de ação solo, e antes disso, ela tem um momento de sexo, humor e morte que, ao mesmo tempo divertida, também tem sua força dramática.

Só uma atriz com inteiro controle de sua personagem – hoje, uma referência feminista pop – é capaz disso. Margot chegou a declarar que pretendia tirar férias da personagem, mas logo depois da estreia voltou atrás. Ainda bem: queremos mais Arlequina.

Não podemos esquecer nossa Alice Braga, que faz a líder da guerrilha de Corto Maltese, numa participação pequena, mas importante.

Os easter eggs também são divertidos. Do plot que remete aos Mercenários de Stallone; aos zumbis que lembram Madrugada dos Mortos, roteirizado pelo próprio Gunn; peixinhos fofos no estilo Ponyo (referência a Hayo Miyazaki?); e divertidas piadas com latinidades, de invasões americanas desastrosas (Baia dos Porcos); dinastias que governam países por décadas (Haiti); pingente de carro da Mafalda (Argentina) e boate-bordel em que se ouve funk brazuca ao fundo.

O saldo final é um filme divertido, trash, mas que não chega a ser a obra-prima que muitos críticos enxergam. E tem cenas pós-créditos, uma logo após do desfecho, bem aleatória, e outra lá no final dos letreiros, esta mais importante.

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