É certo que Barbie fará muito mais dinheiro, mas Oppenheimer é aquele filmão hollywoodiano que traz tudo: grande elenco, tema relevante, filmado com grandiloquência e assinatura de autor. E mais, deve ser visto em tela grande e som de cinema.
Antigamente, a História era ensinada nas escolas sendo dividida em Pré-História, que terminaria na invenção da escrita cuneiforme na Suméria; Antiguidade, que acabava na queda de Roma; Idade Média, que acabava na queda de Constantinopla; Idade Moderna, que acabava na Revolução Francesa; e a Idade Contemporânea, que muitos achavam que acabava com a detonação da Bomba de Hiroshima, iniciando, assim, a Idade Atômica.
Claro que essa era uma classificação reducionista (a Antiguidade de milênios era comprimida em um capitulo dos livros escolares) e eurocentrista, mas é inegável o impacto desses divisores de tempo para toda a Humanidade, especialmente o uso de um artefato nuclear criado por uma potência ocidental contra um povo asiático.
A partir daquele momento, o homem se tornou a primeira espécie capaz de destruir todo o planeta. Oppenheimer, de Christopher Nolan, resume para o espectador leigo como se chegou até o Projeto Manhattan por meio da trajetória do protagonista, Cillian Murphy, em atuação de Oscar.
Ele foi um físico prodígio que levou a Mecânica Quântica para os EUA, após estudar na Inglaterra e na Alemanha, e conhecer Niels Bohr (Kenneth Branagh), que contestou Albert Einstein (Tom Conti). Foi nessa época que toma contato com o antissemitismo que desaguaria no nazismo.
Quando assume uma cadeira em Harvard, acaba se envolvendo com Jean Tatlock (Florence Pugh), uma psiquiatra comunista muito mais jovem. A cena em que ela faz o amante ler em sânscrito a frase do Baghavad Gita que ele tornaria famosa anos depois é brilhante.
O desenrolar dos fatos é narrado de forma rápida, e logo chegamos aos alemães dividindo o átomo e as possibilidades abertas a partir disso, que levam Einstein e outros cientistas a alertar o presidente Roosevelt da possibilidade de Hitler desenvolver uma bomba atômica.
Hoje, parece claro que os nazistas não tinham a capacidade de chegar a tanto – com muito menos recursos disponíveis que os americanos – mas a mera possibilidade era assustadora. Assim, o encarregado de levar a cabo o projeto Manhattan, o general Leslie Groves (Matt Damon), é convocado a entrevistar Oppenheimer para assumir o comando científico da empreitada. A essa altura, ele já está casado com Kitty (Emily Blunt, sempre intensa), uma também cientista e também ex-comunista.
Contemporaneidade
Além dos supracitados, outro personagem fundamental é o almirante Strauss (Robert Downey Jr. se libertando de Tony Stark), um político que acaba assumindo o controle da Comissão de Energia Atômica no pós-Guerra. O ex-Homem de Ferro é mais um de um elenco fabuloso, que inclui Rami Malek, Jason Clarke, Josh Hartnett, Matthew Modine e um surpreendente Gary Oldman como Harry Truman. Depois de ganhar o Oscar como Winston Churchill em O Destino de uma Nação (no mesmo ano de Dunkirk), só falta interpretar Stalin…
Nolan desenvolve tudo de forma elegante, inserindo sugestões (Joan teria sido assassinada), evitando sensacionalismo (exclui imagens das vítimas de Hiroshima), tudo de forma sutil, a não ser na aguardada detonação de Los Alamos, em que usou efeitos práticos no lugar dos muito mais fáceis e controláveis CGI. Ele se alinha a uma tendência cada vez mais presente no cinema, que advoga que a digitalização tira o peso do que é mostrado na tela.
Mas além do aspecto cinematográfico, o que aumenta o interesse de Oppenheimer é a contemporaneidade. Se o filme histórico anterior do cineasta, Dunkirk, tenha surgido à sombra do Brexit, desta vez a ameaça nuclear, que parecia sepultado com o fim da Guerra Fria, volta a assombrar o mundo por conta da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Aquele relógio que aparece em Watchmen – e que existe de fato – que havia se distanciado da meia-noite, agora marca 90 segundos para o Apocalipse. Todos os cacoetes e obsessões de Nolan estão neste filme, só que agora a favor de uma história relevante e atual. Se não for seu melhor trabalho, e isso só a posteridade confirmará, é o mais importante.
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