A maratona da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo vai chegando ao final e o nosso corajoso e apaixonado colaborador Angelo Cordeiro encarou a missão com louvor. Confira mais uma série de análises de algumas das produções mais badaladas do evento.
Almofada de Alfinetes – Nota 3.0
Deborah Haywood está repleta de boas intenções, porém a execução se mostra bastante problemática com o desenrolar da história. A princípio, o design e a fotografia delicados e coloridos chamam a atenção, um filtro meio que Amélie Poulain, mas que vai deixando de fazer sentido com os rumos da história, que ganha tons pesados com o crescente bullying que sofrem tanto a jovem e inocente Iona quanto sua mãe.
Ambas são isoladas na escola e na comunidade, sem receber o apoio de ninguém (quando recebem é apenas com intenções sádicas), e passam a mentir para si mesmas com medo da verdade tão dura que as cerca, é um isolamento cruel que soa até forçado, já que não moram em nenhuma vila distante do mundo moderno.
Enquanto acerta no fantástico das cenas em que Iona cria uma fantasiosa realidade em sua mente (que mesmo assim, são bem bobildas), Haywood erra a mão quando tem que abordar os dilemas pelos quais elas passam, são diversas as cenas em que há a ausência de um diálogo construtivo que poderia tirar o filme do mero “ensaio”, para mim soa covarde.
Parece uma mistura do pesado Depois de Lucia com o terror Carrie – A Estranha, apenas por mostrar o mal-estar que o bullying causa em jovens, um feel bad movie que quer apenas causar incômodo ao espectador. E consegue. Culminando na cena da escada ao final, irresponsável e desnecessária.
Ága – Nota 8.0
A certa altura, o casal protagonista sai de enquadramento para que ouçamos apenas suas histórias sobre seus antepassados. O respeito à família e às tradições é tema constante nas breves conversas entre marido e esposa, “pernas são iguais às famílias, uma não se curva sem a outra” diz ele à esposa, que diz que devem perdoar a filha que saiu de casa para trabalhar na cidade.
Ága é exatamente sobre isso, um casal de esquimós que vive sua rotina no gelo de forma lenta e isolada, com certo saudosismo acerca de seus costumes, mas com breves lampejos da modernidade batendo à porta, assim como a dificuldade da caça e a escassez de alimentos.
O destino também baterá à porta desse casal, fazendo com que Nanook vá, enfim, acertar as contas com um passado que ainda lhe traz tanto amargor. A cena final é uma das mais lindas do ano, fazendo de Ága um filme singelo, tocante e emocionante.
Selvagem – Nota 6.0
O longa de estreia de Camille Vidal-Naquet tinha potencial para ser muito bom, mas o exagero em fazer do protagonista um marginal com atitudes idiotas e que tem sempre uma escapatória/convenção ao seu alcance (as quais ele ignora ou deixa escapar) dão um ar hollywoodiano demais ao longa.
No entanto, é corajosa a abordagem de um garoto de programa de rua gay que se apaixona por um colega de esquina, praticamente um Pretty Woman LGBT, só por isso já vale a espiada.
O Mau Exemplo de Cameron Post – Nota 8.0
A força de O Mau Exemplo de Cameron Post está em seu argumento, muito bem sustentado pelas linhas de diálogos sarcásticas, inteligentes e ainda tão atuais, mesmo se passando na década de 90. A diretora Desiree Akhavan é bastante feliz em retratar uma instituição evangélico-cristã para jovens “confusos com suas sexualidades”.
É como se víssemos a tenebrosa “cura gay” na prática, porém, em certa altura do filme, percebemos que nem mesmo os administradores do local sabem muito bem o que estão fazendo ali. Do outro lado estão os jovens sofrendo abusos emocionais diariamente, chegando a ficarem confusos e até odiosos de si. Afinal, eles são doentes de verdade?
Chloë Moretz tem sua melhor atuação em muito tempo, dando camadas a uma personagem cheia de questionamentos e rebeldia, com apenas uma certeza: ela não pertence àquele local.
O Anjo – Nota 5.0
Em El Ángel, o diretor Luis Ortega se inspira na história real de um dos maiores assassinos em série da Argentina para realizar uma subversão sadia do estereótipo do assassino de traços fortes e de porte ameaçador, com um protagonista quase angelical que comete atrocidades sem o maior pudor.
O garoto Lorenzo Ferro é quem segura as pontas com uma atuação acima do filme, levado de maneira segura por Ortega, mas que não traz nada muito além da brincadeira com o loirinho dócil que mata a sangue frio, além disso, “sofre” por emular um tipo de personagem que já tem, ao menos, duas grandes referências que esbanjam mais charme que o Carlitos de Ferro: Alain Delon em O Samurai e James Dean em Juventude Transviada. Mas comparar assim é maldade.
Em suma, vale pela atuação de Ferro, porém, por se basear em uma história real, falta explorar as motivações e algo da psique de Carlitos para dar mais sustentação ao personagem, que parece complexo, mas Ortega não consegue explorar ao máximo.
Caminhos Magnéticos – Nota 2.0
O filme mais confuso e atrapalhado que vejo em muito tempo. Forte candidato a ser o pior da 42ª Mostra. Edgar Pêra não consegue ser claro em sua mensagem, quer dizer, até entendemos que a história se passa em uma Portugal dominada por um regime autoritário, porém o protagonista Raymond é completamente raso e mal desenvolvido, assim como todos os coadjuvantes, apenas versões cartunescas de qualquer personagem novelesco.
Chega a ser irritante que a cada 5cinco palavras proferidas por Raymond uma seja “Catarina”, uma obsessão quase que doentia pela filha. Tão doentia que ele chega a imaginar uma transa da mesma com o recém-marido e entra no meio para separá-los (???).
Fora o argumento que não se sustenta, a montagem com imagens sobrepostas é confusa e cansativa e não traduz a uma tentativa de cinema experimental que Pêra deve ter tentado atingir. Um grande desperdício de tempo, talvez como curta sairia melhor.
Limonada – Nota 8.0
Se a vida te der limões, faça deles uma limonada, neste caso, bem azeda. Um retrato da América que não tem nada de encantadora, embora, como dito a certa altura, até os árabes que a odeiam queiram morar lá.
Nossa protagonista Mara irá comer o pão que a América, seus homens e seu sistema amassaram, passando por momentos tensos de abuso, misoginia e xenofobia. Não é um filme sobre a crise migratória, mas sim de como a corrupção de todo um sistema é capaz de afligir até mesmo uma mulher com a melhor das intenções.
As Ceifadeiras – Nota 8.0
As Ceifadeiras está repleto de analogias e simbolismos e o diretor Etienne Kallos consegue aliar boa parte deles neste drama familiar engrandecendo ainda mais sua história.
Pieter é um jovem rebelde que é adotado pelos pais de Janno, filho mais velho da família e preso a uma rotina matinal de fazendeiro, com idas à igreja e aprendizados com um pai autoritário. As reflexões que alguém como Pieter trazem para o seio daquela família são um soco no estômago, principalmente nos diálogos da mãe para com o pai e de Pieter para com seu novo irmão.
Um filme sobre amadurecimento familiar onde percebemos que até mesmo o mais marginal e mundano dos seres é capaz de agregar àqueles que se dizem superiores.
303 – Nota 6.0
Esse é o filme perfeito para quem gosta da trilogia Antes do Amanhecer. Dois jovens desconhecidos conversando sobre diversos assuntos, entre eles sentimentos e relacionamentos, capitalismo e comunismo, homem Neanderthal e Cro-Magnon, enquanto viajam pela Europa em uma van 303 para resolver assuntos pendentes, ela um aborto, ele conhecer o pai.
É um road movie que tem seus momentos, mas a longa duração é desnecessária.
A Terceira Esposa – Nota 8.0
Belíssimo coming of age feminino dirigido com sutileza pela vietnamita Ash Mayfair. Sua protagonista May tem somente 14 anos e se torna a terceira esposa de um homem que quer uma mulher que possa lhe dar um novo herdeiro.
May logo se torna a favorita dele e, assim que presencia uma traição nas terras onde mora, passa a se descobrir física e sexualmente, enquanto sonha em ser aquela que dará um filho homem para seu esposo.
É interessante notar a visão que a diretora Mayfair traz para a história. Acompanhamos a jovem May de perto, mas nunca lemos seus pensamentos, somos relegados ao status de meros observadores dela e daquela família, sem julgamentos, mas tendo consciência das atitudes machistas vindas até mesmo das demais mulheres da casa.
A Terceira Esposa é uma visão delicada e inocente de uma garota que vai se descobrindo e amadurecendo em um ambiente dominado pelos homens; mesmo não entendendo muito bem o papel da mulher ali, May aceita boa parte das ordens e é justamente quando tem seus leves e sutis “atos de rebeldia” que o filme ganha força e faz valer a experiência.
Guerra Fria – Nota 8.0
Filme de amor que, ao mesmo tempo, é anti-romance. Pawel Pawlikowski sabe como fotografar e enquadra os protagonistas como poucos. Em uma das cenas fui pego de surpresa quando entendi sua intenção (a cena do espelho na festa). Coisa de mestre.
Filme que mostra como o amor é capaz de sobreviver em/a tempos difíceis, grandes intervalos de tempo e até de unir pessoas tão distintas que volta e meia se reencontram, mas nunca conseguem ficar juntas. Parece que é apenas o destino trazendo breves doses deste combustível que alimenta a alma.
Mas o momento certo sempre chega. E as almas são eternas.
Poderia me Perdoar? – Nota 8.0
Poderia me Perdoar? possui uma genuína aura dos anos 90 com a qual a diretora Marielle Heller é capaz de traduzir muito da solidão vivida pela escritora Lee Israel. Richard E. Grant rouba o filme para si e é uma das melhores coisas do filme.
Melissa McCarthy em uma atuação contida, mas fora da caixinha, manda muito bem como uma trambiqueira e misantropa que evita as festas e a badalação do mundo literário, justamente por isso não é reconhecida fisicamente nos locais que frequenta (isso quando sai) e logo se vê sem conseguir investimento para um próximo livro.
É até irônico eu demorar tanto a escrever sobre esse filme – que gostei bastante – já que ele aborda uma escritora em crise de criatividade. Por um acaso do destino, Lee encontra uma carta que é tida como relíquia por alguns colecionadores e consegue um bom dinheiro com ela. Lee passa então a aproveitar a sua lábia – e sua renascida criatividade – para falsificar diversas cartas e, assim, conseguir dinheiro para pagar suas contas.
Humor afiado, bem atuado e bem fotografado, uma das gratas surpresas com jeito de Oscar bait, mas que me seduz bastante por não ser politicamente correto e tampouco maniqueísta com seus personagens
A Quietude – Nota 4.0
Bérénice Bejo e Martina Gusman defendem suas personagens com intensidade, logo na primeira hora temos uma cena inusitada e ousada que demonstra a enorme conexão e cumplicidade entre ambas.
É pena que o roteiro de Pablo Trapero nunca esteja à altura de ambas que, por mais que tentem, são apenas duas personagens que digladiam de uma maneira óbvia e pouco inspirada. Toda a parte técnica que Trapero usa parece uma emulação de François Ozon, mas que nunca atinge o que ele realmente quer passar.
Além disso, ele não consegue encaixar de maneira inteligente no roteiro uma crítica aos malfeitores da época da ditadura argentina, fica tudo tão jogado ao final que o enfoque em um emaranhado de envolvimentos que vimos até ali parece encheção de linguiça para chocar ou entreter o espectador.
Ao final, A Quietude parece um Supercine dos menos envolventes, que só se mantém a muito custo pela dupla protagonista.
Viaje a los Pueblos Fumigados – Nota 7.0
Documentário denúncia e investigativo para entendermos um dos lados da crise argentina.
Fernando Solanas, o Pino, viaja por algumas províncias de seu país mostrando como a agricultura foi completamente modificada nos últimos anos, rendendo não apenas desemprego e desigualdade, mas também uma nação de doentes.
O Nome do Meu Irmão é Robert e Ele é um Idiota – nota 7.0
Um filme polêmico. Por uma cena em específico muitos abandonaram a sessão em que eu estava na Mostra de São Paulo. Polêmicas à parte, as 2 horas e 50 minutos em que esses dois irmãos discutem sobre o tempo, passado, presente e futuro – onde Robert ajuda a irmã Elena a estudar para uma prova de filosofia – podem ser bastante proveitosas àqueles que decidirem embarcar em sua conversa.
Philip Gröning é bastante pretensioso por se propor a discutir tais ideias num instante, colocá-las em prática em outro e na parte final ilustrar os efeitos do tempo e das atitudes daqueles dois personagens. Ele praticamente mastiga todo o filme para o espectador, porém de uma maneira nada didática, ele nos instiga a pensar e refletir junto.
Em uma das minhas cenas favoritas, Robert deitado ao chão da mata com a irmã pega um pouco de folhagem e lhe diz que aquilo é o presente, outrora havia uma árvore (o passado) e num futuro virá a ser grilo ou formiga.
Gröning faz o mesmo com seus personagens, no início com brincadeiras infantis (guerra de pistolas de água, pega-pega, futebol), enquanto no miolo aparecem os questionamentos (e se transar com desconhecido? e se transar com meu irmão? e se atirar em carros na rodovia? e se atirar no vendedor de uma loja?) que vêm junto dos atos de violência onde quaisquer valores morais são colocados à prova.
É um imenso estudo filosófico para os personagens – basta ver como Elena se sai em sua prova – de onde o espectador também sai com algo a mais na bagagem.
Charlotte quer se Divertir – Nota 6.0
O famoso “filme de menininha” nos moldes de Confissões de Adolescente, que por ter uma diretora na direção consegue a proeza de enaltecer os direitos das mulheres de também poderem ser “vagabas” – no bom sentido da palavra.
A fotografia em preto e branco não diz muito a que veio, embora a protagonista diversas vezes troque olhares conosco numa espécie de “o que você acha?”. Não traz nada de muito novo nos diálogos e no que discute, mas, mesmo assim, é uma grata surpresa escondida na 42ª Mostra de SP e que infelizmente deve passar batido do circuito comercial.
3 Faces – Nota 8.0
Desde o final da década de 70, o cinema iraniano sofreu transformações que o colocou nos holofotes do ocidente. Abbas Kiarostami foi um dos precursores deste movimento e, junto dele, Jafar Panahi também merece destaque.
Panahi traz consigo uma grande polêmica: o diretor é proibido de deixar o país e de fazer novos filmes por 20 anos, para nossa felicidade ele segue desafiando esta sentença.
Em 3 Faces, Panahi realiza um docudrama investigativo que não se baseia apenas nisso, ele consegue fazer com que sua história possa ser vista sob vários aspectos sem que nenhum deles dependa do outro ou que um seja mais importante que o outro. Há uma sinergia em seu roteiro que torna 3 Faces uma obra ímpar.
O título não é à toa. Panahi se apoia em três personagens femininas – forte característica de seu cinema – para mostrar como a sétima arte em seu país evoluiu com o passar dos anos. Logo de início assistimos a uma filmagem amadora de uma garota que pede ajuda à famosa atriz Behnaz Jafari. A jovem reclama da falta de apoio de sua família em sua incursão aos estudos de cinema e, supostamente, se suicida. Ela representa a novíssima geração do cinema, aquela que enfrenta muitos olhares tortos dentro da própria casa.
Desesperada sem saber se o vídeo era real ou não, Jafari embarca em uma viagem junto de Panahi a uma vila montanhosa para solucionar este mistério. Jafari representa a segunda geração do cinema iraniano abordada por Panahi, a mulher que “faz o que quer”, como um senhor da vila diz a Panahi em certa altura.
Sucessivamente vemos Jafari deixando rodas de conversa de homens para continuar investigando, “mulheres lidam melhor com isso”, diz Jafari. Ela é reconhecida pela maioria dos habitantes locais e sempre tratada com respeito por eles, quando um deles não a reconhece, mais tarde ele perde perdão.
Enquanto Jafari e Panahi investigam esse mistério – que se soluciona ainda na metade do filme – conhecemos a terceira geração abordada por Jafari, uma senhora reclusa que trabalhou com cinema numa época repleta de intransigência e que é malquista na vila, o último lugar que alguém pediria abrigo mas que Jafari e Panahi desembarcam.
Panahi ainda consegue imputar traços de sua própria jornada nessa história, “você está fazendo um filme?”, pergunta sua mãe ao telefone, ou quando um dos moradores da vila lhe pede um favor importante e Jafari explica que Panahi não pode deixar o país.
Tudo é abordado com inteligência e sutileza por Panahi, que também sabe fazer graça nos momentos certos e que só não me cativa mais por não emocionar tanto quanto Kiarostami fazia.
Vida Selvagem – Nota 7.0
É positiva a estreia de Paul Dano na direção, bem consciente dos movimentos de câmera e de como dispor seus personagens em tela, assim como toda a ambientação da década de 50.
Fica como principal e valiosa característica sua câmera que em algumas cenas, à primeira vista, focaliza grandes espaços vazios (na rua ou em casa) e, conforme vai mudando de direção, vai revelando o que queremos ver – e muitas vezes algo que nem esperamos – é um elemento que Dano aplica perfeitamente bem.
As atuações estão boas, apesar dos personagens se mostrarem a todo instante muito mais profundos do que o roteiro aborda. Por trás daqueles rostos cansados e prestes a explodir há, com certeza, muito mais a ser entregue ao público, principalmente no filho Joe (Ed Oxenbould).
Assistimos Vida Selvagem sob sua ótica, mas sem nunca saber o que ele pensa, ficamos presos a um turbilhão de emoções vivido por Joe, no meio dos conflitos dos pais, mas sem ter clareza do que nosso guia sente, somos alheios a tudo assim como ele. Este isolamento pode ser intencional de Dano, porém, falta à história um momento em que Joe elucide seus pensamentos, para seus pais ou até para nós.
Por ser um filme feito com viés tão intimista, focando praticamente em apenas três personagens, Vida Selvagem poderia oferecer mais deles, mas é uma experiência satisfatória que irá agradar aos fãs dos nomes no elenco e de um bom drama familiar.
Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos – Nota 7.0
Em Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, viajamos à aldeia Pedra Branca onde vivem os Krahô, lá conhecemos logo de cara o índio Ijhãc (se pronuncia mais ou menos “inhac”), numa bela cena em uma cachoeira, na qual ele conversa com o pai que lhe pede uma festa de despedida para que, enfim, possa seguir à aldeia dos mortos.
Porém, Ijhãc está repleto de conflitos internos. Ele conversa com o pajé de sua tribo e descobre que tem tudo para ser o futuro líder espiritual dali. Ijhãc então passa a renegar esta responsabilidade e seu guia – uma belíssima arara azul – fugindo para a cidade, onde será tratado apenas como mais um cidadão comum até que sinta o tempo certo de voltar: assim que a arara o esquecer.
Ijhãc se diz doente e não entende o laudo de hipocondríaco. Vivendo entre a casa de apoio e as ruas da cidade, nosso jovem passará por um amadurecimento que é difícil imaginarmos que aconteça com os índios. Afinal, é comum eles se sentirem assim?
A dupla de diretores Renée Nader e João Salaviza trata tudo com bastante carinho e sem engenhosidades técnicas, explorando as festividades e tradições indígenas de maneira quase documental e também explorando a ficção do drama de Ijhãc, tudo isso sem contar com atores profissionais no elenco, somente com os próprios índios da tribo Krahô, deixando a história fluir naturalmente.
Uma história que precisa ser contada enquanto ainda há tempo e, principalmente, que seja reconhecida com orgulho por nós brasileiros.
Eu Não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros – Nota 9.0
Uma grande encenação. No bom sentido, já que suas linhas de roteiro estão repletas de verdades que muitos teimam em não ver. Desde o começo acompanhamos uma equipe de produção em vias de realizar um filme sobre o envolvimento da Romênia com o Terceiro Reich.
Radu Jude documenta toda a equipe de Ioana Iacob que se apresenta de início e nos diz que interpretará Mariana, ela faz o mesmo com os demais membros de sua equipe e vamos acompanhando todo o passo a passo de sua produção independente.
Essa excentricidade será levada pelas mais de duas horas seguintes de filme, são diversos os momentos bem-humorados e incômodos onde vemos pessoas comuns interpretando soldados nazistas, romenos e russos discutindo e brigando entre si.
Enquanto Mariana tenta se impor nos ensaios e na direção, também acompanhamos seu dia-a-dia com o namorado e uma luta contra a censura que não aceita ver a guarda romena sendo mostrada como assassina de judeus, mesmo que isso esteja em diversos livros de história.
Jude se aproveita dos ensaios da peça-filme para discutir o racismo, a ignorância e a intolerância impregnados na população romena. Na grande apresentação tudo fica ainda mais escancarado quando a plateia comemora uma casa repleta de judeus em chamas, para o desespero de Mariana “eles estão vibrando, não entenderam nada!”.
É a vitória do ódio, há décadas enraizado em nossa sociedade e que cada vez se sente mais à vontade para aparecer.
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