A 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue até 31 de outubro na capital paulista e em Campinas. Angelo Cordeiro, da equipe Nerd Interior, já conferiu alguns filmes exibidos especialmente para a imprensa e que reunimos aqui, na segunda parte de nossa cobertura especial.
42ª Mostra SP | Confira nossos primeiros Reviews do evento internacional
Malila – Nota 6.0
A diretora transexual Anucha Boonyawatana faz de Malila um retrato diferente sobre o amor, muito mais voltado ao respeito pelo parceiro e à espiritualidade do que ao lado carnal dos relacionamentos. É um filme arrastado, que exige paciência do espectador devido aos poucos diálogos entre os protagonistas, que estão sempre em contato com a natureza.
Além disso, mesmo sabendo claramente quando é noite e quando é dia, não temos noção da passagem de tempo, à noite só enxergamos os contornos de seus corpos e ouvimos o barulho da chuva, já durante o dia a fotografia é pálida, mesmo colocando os protagonistas no verde da floresta.
A cena de sexo entre ambos mostra ao espectador a cumplicidade, paixão e carinho que eles têm um com o outro. E nem mesmo a morte é capaz de dar fim a este afeto.
José – Nota 7.0
A câmera de Li Cheng deixa explícito o isolamento de José, um jovem que mora com a mãe no subúrbio da Cidade da Guatemala. José nunca está em primeiro plano, na casa escura, de onde sempre sai às pressas para trabalhar, não o vemos com clareza, quando caminha pelas ruas o acompanhamos por trás, já em frente ao estabelecimento onde trabalha vemos José geralmente de longe acenando para os carros ou detrás de postes, placas e no meio de outras pessoas. Por que José se esconde de nós?
Em casa, ele é paparicado pela mãe com chavões clássicos: “troca essa blusa, está fedida” ou ainda “está gostoso? quer mais?”. No trabalho, é fechado com os colegas que dizem que ele nunca conta onde vai. Com o desenrolar da história, vamos conhecendo melhor nosso discreto protagonista e descobrimos que, entre casa e trabalho, José tem encontros às escondidas com outros homens em quartos de hotéis que aluga por algumas horas.
Em um desses encontros ele conhece Luis, com quem passa a compartilhar momentos íntimos e de lazer e que fazem José finalmente ser visto como foco de sua própria história. Como diz o cartaz do filme, José é uma simples história de amor em um país onde as mazelas da pobreza e da fome podem ser esquecidas por alguns instantes, mesmo que seja em um quarto barato de hotel.
Garotas em Fuga (Cavale) – Nota 5.0
Garotas em Fuga trata, em forma de autorreflexão, um tema delicado atrelado à protagonista Kathy – o suicídio -, mas o bullying com Carole, personagem que está acima do peso e sempre é vista comendo guloseimas, reclamando de fome ou de cansaço, ultrapassa os limites do aceitável e fica por isso mesmo, assim como o vício em drogas da despojada Nabila.
No entanto, é positiva a estreia de Virginie Gourmel na direção, já que consegue criar momentos genuínos que retratam toda a rebeldia daquelas três garotas. Nada que se assemelhe a Cinco Graças, indicado ao Oscar estrangeiro de 2016 pela França, mas com alguns ajustes no roteiro talvez pudesse chegar lá.
A Rota Selvagem (Lean on Pete) – Nota 6.0
Um mix de coming of age com road movie que não se decide muito bem o que quer ser, aliás, quer ser os dois mas não consegue encantar em nenhum deles.
O diretor Andrew Haigh – que sempre conseguiu dar a sutileza necessária para histórias amargas (como no ótimo 45 Anos) – , aqui tem uma direção íntima e segura que traz muito significado à história do jovem Charley, de 15 anos, interpretado por Charlie Plummer – que começa a se destacar em Hollywood e, em breve, pode fisgar alguma indicação ao Oscar. Porém, creio que não será desta vez.
Apesar de Plummer segurar as pontas como o garoto esforçado e corajoso que sai de casa em uma grande jornada pela qual passará por provações, paixões e dificuldades, faltam conflitos que nos mostrem que sua atuação foi realmente desafiadora. Ele caminha alguns dias no deserto, mas não vemos esse abatimento. Em determinada cena de choro ao final, chega a esconder seu rosto e esta ausência da entrega física do ator e das emoções do personagem podem deixá-lo fora das indicações e premiações. No entanto, não é por isso que o filme perde em força.
A segunda parte do longa está repleta de convenções que enfraquecem a jornada de Charley. Em um restaurante, ele é pego saindo sem pagar, mas liberado por pena. Um personagem alheio à história lhe informa um endereço importante. Um emprego aparece com facilidade. São detalhes que fazem o roteiro parecer mais preguiçoso do que sutil.
Além disso, se na primeira parte do longa Steve Buscemi e Travis Fimmel são dois coadjuvantes de luxo que, quando em cena, rendem ótimos diálogos e alavancam Plummer, falta exatamente este suporte no terço final do filme. Em suma, o título dado aqui no Brasil, A Rota Selvagem, diz muito sobre o que Charley encontrará em seu caminho, mas a sutileza do título original mostra que não é possível ir tão longe sozinho.
A Favorita – Nota 9.0
Depois de Dente Canino, O Lagosta, O Sacrifício do Cervo Sagrado e uma indicação ao Oscar de roteiro original, era questão de tempo para que o grego Yorgos Lanthimos se rendesse a Hollywood. Premiado pelo júri em Veneza, A Favorita é sua primeira grande aventura em um terreno mais comum ao grande público. De início temos um elenco principal chamativo: a já oscarizada Emma Stone, a sempre segura Rachel Weisz, Olivia Colman, de The Crown, e o jovem Fera dos X-Men, Nicholas Hoult.
A premissa de A Favorita também é bastante habitual e poderia facilmente cair nos velhos clichês do gênero. O filme se passa no século Século XVIII, num período de guerra entre Inglaterra e França. A rainha Anne (Colman) move as peças desta guerra sempre dando ouvidos à sua conselheira mais próxima: Lady Marlborough (Weisz). Com a chegada da charmosa serva Abgail (Stone), uma prima distante de Lady Marlborough, uma série de intrigas e jogos de poder irão ocorrer.
Diferente de seus demais filmes, que continham atuações frias e calculistas, aqui Lanthimos traz uma subversão refrescante, como poucas vezes vistas em filmes sobre a realeza. É justamente essa inversão e esculhambação que mais nos impressiona e envolve. Não deixa de ser divertido ver uma corrida de patos, uma rainha que cria coelhos, um homem nu que leva tomatadas, diálogos excêntricos sobre sexo e abuso, entre outras maluquices muito mais bizarras que os fãs de Lanthimos já estão acostumados.
Embora algumas vezes as disputas entre o trio feminino pareçam óbvias, na verdade Lanthimos sempre está um passo à nossa frente, são diversas as reviravoltas que ele é capaz de inserir à trama. Enquanto as mulheres jogam entre si, ele joga conosco, fazendo uso de uma câmera inteligentíssima – como há muito tempo não via – e que espiona cada canto deste incomum palácio, tornando a experiência cada vez mais espontânea.
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