Sabe quando você vai pra uma festa de aniversário, depois de muitos anos sem ir a uma, e chega ansioso pelo bolo de aniversário? Aí você nota que o bolo é de chocolate – e você adora chocolate. Parece tudo perfeito, as luzes piscam e brilham mais fortes do que nunca, o ar está mais leve, as crianças sorriem enquanto correm em torno da mesa. O clima está favorável. Finalmente o bolo chega ás suas mãos, e você o morde. outra garfada para ter certeza. Mais uma. Você não está triste, mas percebe que só tem um pouquinho de chocolate no bolo – ele é quase todo um amontoado de chantili. Muito chantili. Não é um bolo ruim, mas você sabe que poderia ter sido melhor. Pois bem, foi nessa analogia que pensei quando decidi falar sobre esse novo álbum do Metallica.
Depois de 35 anos de banda, milhões de discos vendidos ao redor do globo, alguns dos álbuns mais influentes da história música pesada e do rock em geral, uma banda não precisaria provar mais muita coisa, certo? Nem sempre – em especial quando se fala de Metallica. Sempre que anunciam algo novo, surge aquele hype, a comunidade da música fica ansiosa e esperando o que os caras do Thrash Metal que conquistaram o mainstream vão aprontar dessa vez. É o preço que eles pagam por terem sido e ainda serem quem são. Mas criar expectativa é sempre um grande problema, para o bem ou para o mal.
Anunciado há cerca de dois meses, o décimo trabalho de inéditas do Metallica veio recheado de boas expectativas, pois o primeiro single, e faixa que abre o trabalho, é um thrash rápido e na medida, como há muito a banda não exibia. Fez relembrar até os lançamentos da década de 80, galgados nessa velocidade de palhetadas e andamentos de bateria. Não se trata nem de comparar, pois esperar que uma banda fique o resto da vida fazendo o mesmo som é se prender ao passado – coisa que vanguardistas como o próprio Metallica jamais deveriam se ater. Mas se Hardwired é uma amostra do que está por vir, então começamos muito bem.
Só que não era bem isso – por sorte e infelizmente. Por sorte, pois Hardwired… To Self Destruct, o novo álbum duplo do Metallica é um trabalho variado – vai do veloz ao cadenciado, do melódico ao pesado, sem que uma música se assemelhe demais à outra. Infelizmente, pois pareceu faltar à grande parte do trabalho aquela energia quase juvenil da primeira faixa. Em muito momentos, vemos uma banda cansada, sem muita inspiração, e que se prende a repetições desnecessárias dentro da mesma canção. É encher o bolo de chocolate com chantili, só pra completar a altura e o tamanho que ele deveria ter.
Atlas, Rise! é uma boa canção, diferente da primeira, pois incorpora em si elementos da NWOBHM (New Wave Of British Heavy Metal, que bandas como Iron Maiden, Diamond Head e Saxon instituíram aliando a velocidade do Speed Metal à melodia do Heavy Metal tradicional), influência que ficou muito perceptível pelo álbum todo, aliás.
Por falar em influências, o Doom Metal mais arrastado do Black Sabbath também é encontrado no álbum – Now That We’re Dead, Dream No More, Confusion, Am I Savage? por exemplo. Deu pra perceber até um “quê” de Alice in Chains em alguns riffs – talvez, pra combinar com a influência da capa medonha do álbum, que lembra a capa do primeiro disco da banda grunge, Facelift.
Mas o Metallica não foi buscar inspiração fora de si – há muito de Load/Reaload nesse álbum. Além das faixas citadas, ManUNkind trás muito da fase hard rock do quarteto. Para quem gostou desse período da banda, será um deleite – mas diferente dos discos dos anos 90, aqui as canções sofrem com excesso. Uns riffs são mais repetidos do que deveriam, algumas introduções são maiores do que precisavam ser… É um problema que uma banda megalomaníaca como o Metallica sofre. E não entendam que o termo “megalomaníaca” tenha sido empregado de maneira pejorativa: foi pensando grande que o Metallica se tornou do tamanho que é.
Murder One foi feita em homenagem ao falecido vocalista do Motorhead, Lemmy Kilmister. É outra faixa simples, mas que acaba passando batida. Não acabou sendo uma homenagem à altura.
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Agora, para que não pareça que odiei o álbum, que tal falarmos o que ele tem de bom?
Além da primeira faixa, dá pra falar de Spit Out The Bone, uma ótima música, veloz e melódica, que encerra a versão comum do álbum em grande estilo. Na versão Deluxe, temos Lords Of Summer, faixa que poderia ter muito bem feito parte do setlist normal deste Hardwired… To Self Destruct. Isso sem falar de Moth Into Flame, faixa que sintetiza muito bem os toques de NWOBHM que o ‘Tallica trouxe pra esse novo trabalho. Rápida, melódica, com um grande refrão, um solo muito bom. É tudo que os fãs esperam da banda – coisa muito boa, independente do gênero em que se encaixe.
As letras, em algumas das canções, deram uma melhorada em comparação aos últimos trabalhos. Desde mitologia grega ao mito de Ktulu (ou Cthulhu), criação de H.P. Lovecraft que o Metallica já havia dedicado uma canção em seu segundo álbum, Ride The Lightning, nos idos de 1984.
Outro destaque mais do que positivo é a voz de James Hetfield, que parece melhorar a cada ano. Soando agressiva e melodiosa como há tempos não o fazia, traz um vigor à banda que, infelizmente, nem todas as canções acompanham.
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Um detalhe que vale comentar é o fato de que o disco todo foi composto apenas por Hetfield e Lars Ulrich, o que com certeza ditou o ritmo do álbum – em especial as contribuições de Lars. Não vou falar que o acho um baterista ruim, mas ele claramente tem decaído com o passar dos anos e se tornado mais limitado, o que parece refletir diretamente em algumas composições.
Kirk Hammet perdeu, em 2014, um iPod com mais de 200 riffs, e por isso acabou não contribuindo num álbum da banda pela primeira vez desde que passou a integrá-la. É uma pena, realmente. O mesmo vale para Robert Trujillo, talentoso baixista que mal tem espaço na banda – seja compondo, ou seja graças às mixagens nada solidárias com ele.
Então, para fazer jus ao longo tempo de espera, ao tempo exagerado de algumas canções, um texto que tal qual este Hardwired… To Self Destruct poderia ter tido bem menos excessos, o que faria dele algo muito bom. já é o que de melhor o Metallica nos apresentou em alguns bons anos, décadas até – mas a gente sabe que dá pra ser um pouquinho melhor.
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