O cinema depende (até demais) das adaptações. Não há uma semana em que, entre as estreias, não exista um produto adaptado de outras mídias como livros, jogos, quadrinhos e, porque não, peças teatrais. Com a sua polivalência, o cinema é a mídia mais democrática e plural para se trabalhar este tipo de obra, mostrando para o grande público que ele alcança que existe muita coisa boa sendo criada por aí, fora das telas gigantes e do som de 7.1 canais.
Já vimos inúmeros trabalhos – uns ótimos e outros nem tanto assim – sendo adaptados de livros, jogos e quadrinhos, mas o teatro ainda é um campo pouco explorado, com exceção dos musicais da Broadway. Mas Um Limite Entre Nós chega para mudar esse cenário, ousando em adaptar – mas não adaptar tanto assim – uma peça teatral para os cinemas.
Dirigido por Denzel Washington (O Grande Debate), o filme, que deu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Viola Davis (Histórias Cruzadas) e recebeu outras três indicações, incluindo Melhor Filme, é uma adaptação da peça Fences, de 1983, escrita por August Wilson, que também é responsável pelo roteiro do filme. O longa narra a rotina de vida de Troy Maxson, vivido por Washington, um ex-jogador de baseball frustrado com os caminhos que a vida o reservou. Sua decepção é um dos alicerces que fundamentam o relacionamento de Troy com sua esposa, Rose (Viola Davis) e seus filhos Cory (Jovan Adepo, da série The Leftlovers) e Lyons (Russel Horsby, da série Grimm: Contos de Terror).
O título em inglês do filme, Fences (Cercas), mal adaptado para o português, resume bem a toada que segue durante as mais de duas horas de exibição. Como cita um dos personagens, cercas são construídas com dois propósitos: o de manter as pessoas longe ou então de mantê-las por perto. A escolha deste objetivo é feita por nós. E é exatamente este o embate criado para o personagem de Washington, que batalha contra as frustrações, decepções e o preconceito racial existente nos anos 50, época em que se passa o filme, para, ao seu modo, tentar dar sentido a cerca da sua vida.
Em uma produção praticamente teatral, o Washington diretor pouco movimenta a câmera. Assim como em um teatro, quem dá dinâmica às cenas são os atores. Com planos simples e sem muita firula, são eles quem andam de um lado para o outro do cenário, que sentam, que levantam, que gesticulam. E é aí que o Washington ator entra em cena e mostra porque mereceu uma indicação ao Oscar. Com muito texto (meu deus, é muito texto mesmo), o ator vai do mais caricato, falastrão e exagerado Troy ao sutil e dedicado marido e pai de família em questão de segundos. Ao seu lado, a competente Viola Davis mostra porque mereceu o Oscar e interpreta uma esposa que, mesmo com as adversidades da vida de casada e, principalmente, negra, nos Estados Unidos da década de 50, segue firme como uma rocha apoiando o marido nas situações vividas pela família. A cena do Oscar é, especialmente, sobre isso. Seria injustiça deixar de mencionar Stephen Henderson (Roubo nas Alturas), que interpreta um velho amigo de Troy, Jim Bono, que está justo e correto no papel do amigo e conselheiro.
Se atuação e texto são as bases sólidas de Um Limite entre Nós, é na direção que encontramos o terreno instável dessa construção. Pouco ousada quando o assunto é adaptar a obra teatral homônima, os planos fixos cansam um pouco e dão menos ritmo para os diálogos. Talvez a intenção de Washington era realmente ser minimalista, mas essa decisão sacrificou os textos e monólogos longos e, ainda por cima, o aproveitamento de mais cenários, já que o filme todo se passa, basicamente, no quintal da casa da família Maxson.
Além disso, em seu terço final, Um Limite Entre Nós parece não saber o momento de se concluir como obra cinematográfica. São vários os momentos em que o filme poderia acabar, mas opta por estender a projeção, culminando em um cena alegórica e pouco objetiva quanto a mensagem sobre o comportamento do pai daquela família e a relação dele com os demais membros desta. Nesse momento, a linguagem teatral não conversou com a cinematográfica.
Mesmo assim, Um Limite Entre Nós é um exemplar único de que adaptações não devem temer utilizar artifícios da mídia original. Neste caso, o texto, praticamente inalterado com relação ao da peça, é o ponto forte da produção, intensificando e dando a oportunidade para atores como Viola Davis e Denzel Washington mostrarem porque cobram cachês tão caros hoje em dia. Eles merecem.
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