Lembro-me da primeira vez que ouvi falar sobre Ricky Gervais.
Por sugestão de um amigo, resolvi dar uma chance a uma pequena sitcom britânica cheia de sarcasmo e até um certo tom de grosseria. O seriado, chamado “The Office”, mostrava Gervais como personagem principal de uma sitcom cujo formato vinha revolucionando o meio, o famoso “Mockumentary”. Ao lado dele, nomes como Stephen Merchant e Martin Freeman faziam aquela série de apenas duas temporadas ser uma grande surpresa.
Gervais levou então o mesmo seriado aos EUA, recrutando Steve Carell para o papel principal, além de criar vários outros projetos, como o divertido “Extras”, a interessante comédia “O Primeiro Mentiroso”, entre muitas outras coisas.
Dono de uma grande habilidade retórica, Gervais tornou-se conhecido principalmente por suas opiniões ácidas e controversas. Seus projetos são bastante conhecidos por seu humor muitas vezes agressivo, característica que o levou a ser convidado a apresentar grandes premiações de Hollywood, como o Golden Globe.
Dito tudo isso, chegamos à “After Life”, um dos mais recentes trabalhos de Gervais, e, talvez, o melhor de todos.
Produzida pela Netflix, After Life (que no Brasil ganhou o horrível subtítulo “Vocês vão ter de me engolir”) conta a história de Tony, um jornalista preguiçoso de um jornal local, que, arrasado pela morte de sua esposa, vítima de um câncer, pensa em suicídio diariamente e leva seus dias revendo vídeos de momentos com ela, enquanto tenta passar por seu luto sendo uma pessoa amarga, utilizando seu “superpoder” de falar o que quiser para quem quiser, sem se importar nem consigo mesmo, para assim punir o mundo por sua dor.
Então, nesse contexto, toda a genialidade de Gervais entra e surpreende. Afinal, a facilidade do autor em criar diálogos simples e incluir neles seu sarcasmo já é conhecido do público. Mas através de Tony, o ator mostra também um lado incrivelmente sensível e honesto, que soa totalmente antagônico com toda arrogância e grosseria de alguns de seus personagens, trazendo ao público situações bastante inusitadas, como Tony reagir a um assalto, e também uma cena onde ele ameaça de morte um menino de 10 anos que pratica bullying com seus colegas de escola, além de criar amizades bastante inusitadas e divertidas.
E é justamente nessas situações em que a série mostra seu valor. A simplicidade de cenários, personagens e diálogos é incrível, pois torna a experiência de assistir a série bastante fácil, onde o telespectador vai do riso ao choro em segundos, muitas vezes sem ao menos perceber a mudança no tom. A trilha sonora (que pode ser conferida no final do post) também ajuda no processo, trazendo a dramaticidade necessária à história, servindo também como um equilíbrio em momentos de piadas e diálogos mais pesados. Num geral, em todos momentos, comédia e drama se misturam tão facilmente e trazem diversos questionamentos e reflexões, de forma que fica difícil definir de qual estilo estamos falando.
Com apenas 6 episódios (o que a torna fácil de “maratonar”), a série mostra de forma muito leve como o luto pode ser algo difícil e assustador, mas também como pode ser um grande recomeço.
E Gervais conseguiu dessa vez, não apenas arrancar risos desconfortáveis como de costume, mas também, fazer verter lágrimas sinceras de uma forma simples e brilhante.
A série foi renovada pela Netflix e sua segunda temporada, também com 6 episódios, estréia na Netflix em 24 de abril de 2020.
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