Dois países, um crime. Esta é a fórmula da série finlandesa Bordertown, com três temporadas disponíveis na Netflix, mas permitam-me desenrolar um prólogo sobre suas premissas.
A escandinava A Ponte (2011-2018) foi a primeira a usar a ideia de mostrar as diferenças culturais entre países vizinhos por meio de uma investigação policial. Originalmente se chama Brön/Broen, que é a mesma palavra em sueco e dinamarquês.
A construção em questão, a ponte de Öresund, liga os dois países, que já viveram situações conflituosas ao longo da história, mas cujos idiomas são mais parecidos que o português com o espanhol.
Conheci a produção no canal Mais Globosat e ela ficou um bom tempo na Globoplay (não está mais, infelizmente). O ponto de partida é um corpo encontrado exatamente na metade do viaduto, na fronteira entre os dois países.
Por conta disso, uma força-tarefa binacional é formada pelo inspetor Martin (Kim Bodnia, o Konstantin de Killing Eve) pela Dinamarca e do lado sueco, a detetive Saga (a ótima Sofia Helin, que domina as quatro temporadas da série), uma bela loira que sofre de Síndrome de Asperger, que a faz ser uma ótima investigadora, mas que tem dificuldades com interações sociais e comunicação não-verbal. Ou seja, uma Good Doctor policial.
A maior graça da trama são as diferenças culturais entre as duas nações – que para a maioria de nós, brazucas, é tudo igual – e por conta disso ela originou outros similares ao redor do mundo, como a americana The Bridge, que ocorre na violenta fronteira com o México e estrelada pela alemã Diane Kruger (Bastardos Inglórios) e pelo indicado ao Oscar Demián Bichir (Uma Vida Melhor), e que foi exibida no canal pago FX brasileiro; a anglo-francesa The Tunnel, com Clemance Poèsy (Harry Potter) e Stephen Dillane (Game of Thrones); e até uma versão na fronteira entre Malásia e Cingapura.
Vai uma dica para os produtores de conteúdo nacionais: fazer uma versão na fronteira entre Brasil e Argentina (ou até na Tríplice, em Foz do Iguaçu).
Sucesso
Bordertown, grande sucesso na Finlândia natal, não assume oficialmente sua inspiração em A Ponte, mas tem os mesmos elementos básicos: crimes ocorrendo em uma região fronteiriça e uma dupla de detetives formada por um gênio com dificuldade de interação social e outro à moda antiga, com métodos de investigação que não dispensam intimidação e porrada.
A diferença aqui é que o cérebro é o homem, o prodígio da polícia finlandesa Kari Sorjesen (Ville Virtanen, excelente), enquanto o braço é a mulher, a ex-agente do serviço de segurança russo Lena Jaakola (Anu Sinisalo, carismática, mas elo fraco na atuação).
No começo da primeira temporada, Kari deixa a capital Helsinque para trabalhar em Laperaanta, cidade natal da mulher Paullina (Matleena Kuusniemi), que se recupera de um câncer.
O caso que envolve os dois protagonistas é a morte de uma jovem, que envolve uma quadrilha que explora adolescentes numa modalidade de perversão conhecido como “bela adormecida” (tem um filme sobre esse tema, Beleza Adormecida, de 2011).
A filha de Lena, Katia (Lenita Susi), é atraída para o esquema e desaparece, fazendo com que a mãe durona vá para a Finlândia à sua busca.
Mais tarde, a filha de Kari e Paullina, Janina (Olivia Ainali), fica amiga de Katia e as duas participam ativamente das tramas. Cada caso envolve alguns episódios, mas não a temporada toda, e a vida familiar e profissional dos protagonistas são extensamente exploradas.
Como diversas séries nórdicas, os roteiros envolvem negociatas das elites, crimes ambientais e, especificamente aqui, enriquecidos pela estranha relação entre a Finlândia e sua poderosa vizinha, a Rússia.
Se o idioma do outro país fronteiriço, a Suécia, é incluído entre os oficiais da Finlândia, o russo é incompreendido por quase todo mundo.
Por outro lado, todos os estereótipos relativos ao país governado por Vladimir Putin que conhecemos – serviço de segurança que não hesitam em usar tortura e assassinato, máfias violentas – aparecem no seriado.
Apesar de apelarem para expedientes típicos do Ocidente, como um arqui-inimigo superinteligente para desafiar a expertise de Kari, Bordertown é muito bem escrita e dirigida no geral, com elenco bastante competente. Sem falar naquele clima cinzento, gelado e mórbido, comum às produções nórdicas.
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