Review | Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez

 

A Ressurreição de Daniella Perez

Você se lembra da primeira vez que se deparou com a morte de alguém? Lidar com o fim da vida de uma pessoa sempre causa muito impacto, ainda mais quando se é uma criança. Dependendo das circunstâncias, algumas marcas ficam gravadas para sempre em nossa memória.

Eu tinha somente três anos e meio de idade quando vivenciei isso. Apesar de bem criancinha, me recordo de assistir De Corpo e Alma, novela das oito na Rede Globo, com meus pais.

O folhetim contava a história da linda Yasmin (Daniella Perez), superando o ex-par romântico Caio (Fábio Assunção) com o então namorado Bira (Guilherme de Pádua), enquanto era cortejada pelo irreverente gótico Reginaldo (Eri Johnson).

Era dia 29 de dezembro de 1992 e o presidente da república, Fernando Collor de Mello, havia renunciado ao mandato. Ainda hoje, no imaginário popular, muitos consideram que ele sofreu um impeachment. Talvez porque uma outra notícia tenha mexido mais com a emoção das pessoas e ofuscado o trâmite político.

Aquela mocinha cheia de charme, que surgia nas TVs de milhões de brasileiros diariamente – e parecia uma versão moderna da Branca de Neve da Disney, de fartos lábios rubros e cabelos negros dançantes – havia sido encontrada morta na noite anterior, jogada no meio do mato, assassinada a tesouradas por ninguém mais, ninguém menos, do que seu próprio namorado da ficção, junto a sua esposa da vida real, Paula Thomaz, conforme rapidamente descoberto pela polícia.

O glamour idealizado da novela se desmanchava na realidade brutal que chocava não só o país, mas o mundo, que evocava então a tragédia com a também jovem atriz americana Sharon Tate, nos anos 1960.

A todo instante, plantões jornalísticos remontavam os fatos, enquanto as rádios emocionavam e angustiavam os ouvintes, ao tocar a música-tema da personagem Yasmin, Wishing on a Star, na versão das The Cover Girls. O crime causaria um impacto social maior do que se imaginava.

Trinta anos 

Trinta anos depois, a HBO Max reconta essa história, em um documentário formatado em minissérie com cinco episódios. Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez intercala depoimentos de familiares e pessoas próximas aos envolvidos (registrados à época e atualmente), com gravações de noticiários em VHS, imagens impressas e relances de dramatizações.

A obra é idealizada por Tatiana Issa, que divide a direção com Guto Barra, também responsável pelo roteiro, cuja linha narrativa parte da perspectiva da mãe da vítima, a escritora Gloria Perez, que só aceitou integrar o projeto se a equipe cumprisse sua exigência, de que o casal de assassinos, em liberdade desde 1999, não fosse ouvido.

Isso porque a defesa justificava o ato na hipótese de Daniella ter sido o suposto pivô da conturbada relação entre Guilherme e Paula, algo que é veementemente desmentido pelo viúvo da atriz, o ator Raul Gazolla, e seus colegas de profissão como Cláudia Raia, Alexandre Frota, Cristiana Oliveira, Maurício Mattar, entre outros que participaram da novela.

Nesse momento, aliás, a produção do documentário se perde um pouco ao levantar um debate sobre os problemas de culpabilização da vítima, sendo que a opinião popular sempre foi unânime ao se compadecer pela morte da jovem, mesmo se a alegação dos réus fosse convincente, vide tamanha crueldade na execução do ato.

Neste caso sempre imperou o bom senso e nunca foi cogitado o contrário, ainda que o público mesclasse em mente a trama da TV com a tragédia real. Há ainda uma insistência em um possível descaso da polícia, visto que um delegado teria um passado de envolvimento com a ditadura militar.

A verdade, porém, é que o caso foi solucionado com maestria – em menos de 24 horas – e o real problema foi uma juíza ter mandado soltar o réu, mesmo após sua confissão, para que ele aguardasse o julgamento em liberdade.

Debate

O que fica, honestamente, de interesse para o debate social são: a necessidade da inclusão de homicídio qualificado ao rol dos crimes hediondos (uma vitória de um abaixo-assinado promovido por Gloria Perez) e o sistema de progressão de pena de condenados.

Apesar de tais pontos, a minissérie é muito eficaz em expor o quão curioso e de forma inusitada tudo era tratado antigamente. A cena do crime não é mostrada isolada. Ao contrário, se vê pessoas ajoelhadas sobre o corpo, que é exibido de vários ângulos, sem qualquer pudor.

Apesar de não ser algo tão graficamente agressivo, isso não aconteceria nos dias hoje, o que acaba chamando a atenção. Outro momento constrangedor mostra fãs empilhados em túmulos, sorrindo enquanto apalpavam os artistas famosos, que seguiam em procissão ao enterro.

Em meio a tantos absurdos, o que emociona são os relatos serenos da mãe da atriz, que traduz em palavras, de forma tão precisa, as dores da perda, do luto e da injustiça sofridas. Cada frase proferida por ela é um golpe imediato no âmago de quem assiste.

Assim, compreende-se que a escritora não faz um exercício de exumação constante da memória da filha, como alguns apontam, mas um trabalho de ressurreição e da eternização da dignidade de Daniella.

3 thoughts on “Review | Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez

  1. Eu lembro como se fosse hoje desse crime hediondo. Infelizmente nossa justiça é falha, pois esses monstros deveriam apodrecer na cadeia. Se fosse nos EUA seria prisão perpétua para ambos. Hoje os assassinos gozam da liberdade como se nada tivesse acontecido. Será que é caso da gente sair nas ruas pedindo para mudar o país?

  2. O texto está muito bem escrito e nos faz reviver o triste episódio do assassinato da jovem Daniella, com culpados impunes com “penas leves” perto da brutalidade que foi esse assassinato.. como diz a mãe da atriz falecida…” muitas versões, mas só uma verdade: Daniella está morta por um crime brutal”.

  3. Muito interessante o texto. Foi de fato algo que marcou demais, explorado demais na mídia. Naquele período eu estava em um local sem TV, mas só se falava sobre esse caso no rádio. Um ponto curioso que chamou muito atenção naquela época, criança, era como a cada “rodada” aparecia uma nova versão, uma nova diferente história contada pelo réu.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *