Xogum: A Gloriosa Saga do Japão estreia no Star+

Estreou nesta terça-feira, dia 27, a minissérie Xogum: A Gloriosa Saga do Japão, baseado no romance de James Cavell, escritor australiano que se especializou em romances históricos passados no Extremo Oriente.

A incrível narrativa se baseia em fatos reais: de fato um piloto inglês aportou no Japão em um navio holandês e ele realmente foi “adotado” por Tokugawa Yeasu, o homem que fundou a dinastia que governou a Terra do Sol Nascente do início do século XVII até o século XIX.

Clavell, no entanto, preferiu trocar os nomes das figuras históricas: Tokugawa virou Toranaga; seu inimigo Ishida virou Ishido; o Taiko era Toyotomi Hideyoshi e o líder que encerrou o século das guerras entre os clãs, Oda Nobunaga, é chamado de ditador Goroda.

Cosmo Jarvis como John Blackthorne

John Blackthorne (Cosmo Jarvis, de Lady Macbeth) é um piloto inglês a serviço da Companhia das Índias Orientais holandesas, que seguindo um portulano (carta de navegação) português consegue chegar ao Japão pelo Estreito de Magalhães e atravessando o imenso Oceano Pacífico.

Quase mortos de fome, sede e escorbuto, eles são aprisionados pelo samurai Kashigi Omi (Hiroto Kanai), que por sua vez os entrega a seu daymio e tio, Kashigi Yabishigue (Tadanobu Asano, o Hogun de Thor).

Antes que possa se apropriar do navio e os 20 canhões à bordo, seu suserano supremo, Toranaga Yoshii (Hiroyuki Sanada, de John Wick 4, Westworld e onde quer que seja necessário um samurai convincente) intervém, confisca tudo e leva Blacktohrone a Osaka, onde está “hospedado”.

Na verdade, ele é refém de seu inimigo Ishido (Takehiro Hira, de Monarch: Legado de Monstros), ambos parte do Conselho de Regentes nomeados pelo falecido Taiko para comandar o país até seu filho chegar aos 16 anos.

Anna Sawai como Lady Mariko

Todo esse xadrez político segue regras de conduta e polidez disfarçada que fazem parte da cultura das elites nipônicas. A chegada de um inimigo dos portugueses, que monopolizam o comércio com a China (não é de hoje que desconfiam dos japoneses), é um elemento que pode desestabilizar o precário status quo do Império.

Além de Hira, também está no elenco outra estrela de Monarch: Legado de Monstros, Anna Sawai, no papel de Lady Mariko, uma nobre cristã que é encarregada de fiscalizar o intérprete oficial do conselho, o padre jesuíta Alvito (Tommy Bastow). Aliás, faz de conta que o inglês falado na série é português.

Toshiro Mifune e Richard Chamberlain no set da primeira versão de Xogum

O livro de 1975 e a série de 1980 fizeram grande sucesso nos EUA porque, na época, parecia que o Japão seria a próxima superpotência (não foi, por motivos diversos). Para o papel de Toranaga foi escalado o lendário Toshiro Mifune (Os Sete Samurais, Yojimbo, Inferno no Pacífico) e Blackthorne foi vivido pelo rei das minisséries, Richard Chamberlain (Pássaros Feridos).

Na produção atual, a narrativa foi estendida de cinco para 10 episódios e houve uma maior preocupação com a precisão histórica e cultural (cada vez que eu penso em O Último Samurai e Memórias de uma Geisha sinto ganas de cometer sepukku...). Nos dois episódios já exibidos, o capricho nesse aspecto é notável, já que para a maioria dos gaijin cultura japonesa são mangás, animes, karaokê e peixe cru.

Um pouco de história

Kagemusha, de Akira Kurosawa, se passa no Sengoku Jidai

O xogunato e o período áureo dos samurais começa no século XII, com a ascensão de Minamoto no Yoritomo. Ele passa a controlar o governo e faz do imperador um semideus sem poder, mas logo a família de sua mulher, os Hojo, fazem o mesmo com Minamoto, assumindo o papel de regentes do xogum.

É sob os Hojo que o Japão é invadido pelos mongóis, que são repelidos duas vezes graças a tufões, chamados dali em diante de kamikazes (ventos divinos). O país pode ter vencido a guerra, mas os Hojo perderam poder, e após uma tentativa do imperador recuperá-lo, instaurou-se o xogunato Ashikaga, que se caracterizou pela descentralização e pelo apogeu das artes.

Entre 1467 e 1668 o Japão viveu o Sengoku Jidai, ou período da guerra dos senhores feudais, que faz Game of Thrones parecer uma partida de War no tabuleiro, finalmente vencida por Oda Nobunaga, o primeiro a adotar as armas de fogo trazidas pelos portugueses (sua vitória sobre os Takeda é o clímax de Kagemusha, de Akira Kurosawa), que morre antes de unificar o país ao ser traído por Akechi Mitsuhide.

Na série, o equivalente de Akechi é o pai de Mariko, que é impedida de cometer seppuku para purgar a desonra de sua família. Toyotomi Hideyoshi, na série o Taiko, assume o poder, mas por conta de sua origem camponesa não pode aspirar ao xogunato, mas seu filho, por conta da linhagem da mãe, pode. Curiosamente, é o ashigaru (soldado camponês) Hideyoshi que acaba com a mobilidade social existente no Sengoku Jidai.

É nesse contexto de vácuo de poder, sob a ameaça de um novo período de guerra civil, que Xogum: A Gloriosa Saga do Japão acontece. Até agora, deu bom.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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