Nesta sexta-feira, 18 de setembro, a televisão brasileira comemora seus 70 anos. Nessa data, em 1950, Assis Chateaubriand, o magnata das comunicações, dono dos Diários Associados, inaugurou a TV Tupi no bairro do Sumaré, em São Paulo. Era a quarta emissora de televisão do mundo: na época, existiam a BBC inglesa, a RTF francesa e a NBC americana, sendo esta a única privada, e que, obviamente, serviria de modelo para o Brasil.
Dos presentes à cerimônia, dois ainda estão vivos: Lima Duarte e Lolita Rodrigues, a quem coube cantar, junto com Vilma Bentivegna, a “Canção da TV”, composta especialmente pelo poeta Guilherme de Almeida para a ocasião. A incumbência deveria ser da jovem e ainda morena Hebe Camargo, mas ela se safou alegando rouquidão e deixou a tarefa para a amiga. Cinquenta anos depois, a já loira apresentadora confessaria no programa do Jô que preferiu acompanhar o namorado Luis Ramos em um outro evento). No mesmo programa, Lolita foi docemente constrangida a entoar o hino, na segunda vez em que foi cantado em público.
No início, antes dos satélites, as TVs tinham caráter regional. Assim, em São Paulo reinavam a Tupi, Record e Excelsior; enquanto no Rio de janeiro havia a afiliada da Tupi, a TV Rio (associada à Record) e, mais tarde, a TV Globo. Ao longo das décadas, falências e absorções começaram a formatar as redes nacionais como conhecemos hoje; mas nos anos 70 ainda havia um delay nos capítulos de novelas assistidas no Rio e São Paulo e nos demais estados. O primeiro programa exibido em rede foi o Jornal Nacional, da Globo, fruto de um esforço conjunto da emissora e do regime militar.
Se em sua primeira década, a televisão era muito elitista, a partir dos anos 60, com o aumento de aparelhos nas casas e uma programação mais diversificada (e profissionalizada), foi se tornando cada vez mais popular. Os festivais de música viram surgir uma das mais talentosas gerações de cantores e compositores brasileiros, encabeçados por Elis Regina, Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil entre outros, enquanto um programa das tardes de domingo, criado para tampar o buraco do fim das transmissões de jogos de futebol (sem pagamento os clubes, por sinal) resultou na Jovem Guarda e seu líder incontestável, Roberto Carlos. Seus especiais de fim de ano a partir da década de 1970 viraram sinônimo de Natal para a maioria dos lares brasileiros.
Se as novelas já existiam desde os primórdios da TV, com alguns sucessos como “Direito de Nascer” e “Éramos seis”, os anos 70 consolidaram não apenas o star system do gênero – com os intermináveis Tarcísio Meira, Gloria Menezes, Francisco Cuoco e, é claro, Regina Duarte – como também a teledramaturgia nacional, com Janete Clair, Ivani Ribeiro, Dias Gomes, Bráulio Pedroso entre tantos, criando clássicos como “Irmãos Coragem”, “Selva de Pedra”, “Mulheres de Areia”, “O Rebu”, “O Bem Amado” etc. Mais do que entreter, as novelas são um retrato 3 x 4 do momento nacional, como “Roque Santeiro” ilustrou a criação de mitos no final da ditadura; “Vale Tudo” comentou o cinismo e individualismo do período; e “Avenida Brasil” falou a respeito da mobilidade social do governo Lula. As trilhas sonoras das novelas também construíram carreiras musicais e lançaram sucessos internacionais entre nós. Chico Buarque, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Toquinho e Vinícius assinaram canções hoje clássicas especialmente para novelas, casos de “Brilhante”, “Gabriela”, “O Dono do Mundo” e “O Bem Amado”.
Durante décadas, a televisão foi chamada de “Babá eletrônica”, e diversos programas e apresentadores viraram mitos para gerações de crianças. Da Sessão Zás-Trás com a tia Márcia Cardeal, passando pela TV Globinho apresentado por Paula Saldanha, chegando à era das loiras Xuxa Meneghel, Angélica e Priscila (da TV Colosso); além de pelo menos três versões de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, baseado na obra-prima de nosso maior escritor infantil, Monteiro Lobato, hoje tolamente contestado. Os humorísticos também marcaram gerações, como “Família Trapo”, como o genial Ronald Golias; a imorredoura “Praça da Alegria”, criada por Manoel da Nóbrega e herdada por seu filho Carlos Alberto; “Balança mas não cai”, vinda do rádio; “Faça Humor, não Faça a Guerra”, primeiro de vários programas na Globo estrelados por Jô Soares, até ele assumir sozinho o “Viva o Gordo”; “Chico Anýsio Show”, com aquele que provavelmente é o maios talentoso ator humorístico brasileiro. Mas nenhum teve o impacto cultural de Renato Aragão e seus Trapalhões, em sua formação clássica com Dedé Santana, Mussum e Zacharias, especialmente entre as crianças.
O esporte também tem sua dívida com a “máquina de fazer doido” de Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto. A partir de 1970, todas as Copas foram transmitidas ao vivo no Brasil, fazendo o País parar literalmente, a Fórmula 1 criou heróis como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna (que vive suas últimas corridas transmitidas pela; e o voleibol se tornou um esporte de massas quase que por iniciativa individual de Luciano do Valle e seu Show do Esporte, que a Band promete ressuscitar este ano.
Se hoje a importância da TV aberta se reduziu consideravelmente, ela ainda é capaz de pautar a agenda nacional, seja pelo Jornal Nacional – que em tempo de falência do jornalismo impresso, é o mais relevante veículo de notícias do Brasil – , seja pela resistente relevância da teledramaturgia, seja pelo Big Brother Brasil, assunto persistente em todos os inícios de ano, ou o sucesso do culinarismo televisivo representado pelo Masterchef.
Assis Chateaubriand disse há 70 anos que a televisão seria “o mais subversivo de todos os veículos de comunicação do século”. Hoje, talvez ele seja mais establishment do que subversão, mas continua fazendo parte da vida dos brasileiros, mesmo, curiosamente, daqueles que não a assistem.
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