Review | Mank, uma aposta da Netflix para o Oscar

Mank, de David Fincher, estreou há pouco na Netflix como uma das apostas da plataforma de streaming para o próximo Oscar. Além do consagrado diretor de Seven, Clube da Luta e A Rede Social, o projeto inclui também o vencedor do Oscar Gary Oldman (O Destino de uma Nação) e as estrelas Amanda Seyfried (Mamma Mia!) e Lily Collins (do recente hype Emily in Paris).

O filme conta o processo de criação do roteiro de Cidadão Kane por Henry J. Mankiewcz, o Mank do título, papel do sempre ótimo Oldman. Após um acidente de carro que o deixou com a perna imobilizada, ele é internado em uma hospedaria pelo produtor John Houseman (Sam Troughton, de Chernobyl) na companhia da estenógrafa Rita Alexander (Lily Collins) e da enfermeira fraulein Freda (Monika Gossman, uma russa no papel de alemã).

Enquanto escreve, Manckiewcz vai recordando sua própria trajetória em Hollywood e sua convivência com William Randolph Hearst (a escalação de Charles Dance – o Twin Lannister de Game of Thrones – , um vilão recorrente, não é gratuita) e, especialmente com sua amante, Marion Davies, interpretada por Amanda Seyfried, que é o segundo nome do elenco, embora apareça menos que Liliy Collins e, suspeito, que Tuppence Middleton (Sense8), que faz Sara, a mulher de Mankiewcz

Fincher e seu irmão roteirista Jack usam como ponto de partida o famoso ensaio da crítica Pauline Kael para a revista New Yorker, em que ela contesta que Orson Welles (no filme, Tom Burke) fosse o autor – no sentido criado pelos Cahiers de Cinèma – de Cidadão Kane. Ela revela que quem conhecia e frequentava a corte de San Simeon (o modelo para o palácio de Xanadú, de Charles Foster Kane) era Mankiewcz e, que, portanto, aquele que já era considerado o mais importante filme americano teria, no mínimo, a coautoria do escritor.

O diretor não esconde a antipatia por Orson Welles e suas bravatas de que o cinema era o “melhor trenzinho que um garoto poderia ganhar”. Para ele, a ideia de que um menino prodígio tivesse reinventado o cinema sozinho em seu filme de estreia é absurda. Daí porque ressuscitar essa discussão de quase meio século atrás, e que na verdade o tempo e os fatos mostraram que o roteiro, por melhor que fosse, não incluíam escolhas revolucionárias como os enquadramentos, os movimentos de câmera e a profundidade de campo – que é quando tanto o primeiro plano quanto o segundo são utilizados (mérito também de Gregg Tolland, um dos maiores fotógrafos do cinema).

O roteiro não desperdiça quase nada da mitologia de Mankiewcz, tanto seu alcoolismo e jogatina com os integrantes de seu time de roteiristas, quanto sua generosidade pessoal e desprezo que tinha pelos poderosos da indústria, representado por Louis B. Mayer (Arliss Howard, de O Homem que Mudou o Jogo) e da mídia, caso de Hearst.

O que é novo é o paralelo da ação com a trajetória política do escritor Upton Sinclair. Ele é autor do romance que deu origem ao filme Sangue Negro (originalmente inspirado na vida de John D. Rockefeller) e outro baseado no jovem William Randolph Hearst. É a linha mais curiosa do roteiro, e que dialoga com o presente, na produção de fake news avant la lettre.

O problema todo do projeto é que, no fim das contas, ele não funciona. Exige muito background para ser devidamente apreciado e mesmo que o tenha, não convence totalmente. Falta emoção, empatia e, no final das contas, a velha e boa direção de atores.

É curioso que o último longa-metragem de Fincher antes desse tenha sido Garota Exemplar, de 2014. Nesse meio tempo, ele se dedicou à ótima e cancelada série Mindhunter, da mesma Netflix. O fato é que Mank, com todos seus predicados, passa longe do melhor que esse cineasta já nos deu.

 

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