Review | A Vida Invisível

Este ano entra para a história como um dos mais importantes para o cinema brasileiro. A gama de produções nacionais e internacionais (graças ao produtor Rodrigo Teixeira) que tem chegado aos cinemas e sido premiada em festivais estrangeiros mostram como – mesmo com a onda de censura e os cortes no orçamento que a cultura tem sofrido – a arte resiste e 2019 tem se tornado simbólico nesta luta. A Vida Invisível, ao lado de Bacurau, Pacarrete, Greta, Bixa Travesty e Democracia em Vertigem formam alguns destes pilares.

Com diversos prêmios internacionais, entre eles o Grand Prix da Mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes – inédito na história do cinema brasileiro –, o sétimo longa-metragem da carreira do diretor cearense Karim Aïnouz é também o escolhido pelo Brasil para concorrer a uma vaga na categoria Melhor Filme Internacional no Oscar 2020, além de ter sido indicado à categoria de Filme Internacional no Independent Spirit Awards, um dos festivais de cinema independente de maior prestígio no mundo.

A Vida Invisível merece o destaque que vem recebendo justamente por tratar de um tema que cai como luva no atual cenário artístico e político do mundo, onde o feminismo é discutido como nunca. Somos levados de volta ao Rio de Janeiro dos anos 50 para conhecer a história de duas irmãs em uma época na qual as mulheres não podiam alçar voos maiores que os dos homens.

As irmãs Guida (Julia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte) são como duas faces da mesma moeda – apaixonadas, cúmplices, inseparáveis. Eurídice, a mais nova, é uma pianista prodígio, enquanto Guida, romântica e cheia de vida, sonha em se casar com um príncipe encantado e ter uma família. Um dia, com 18 anos, Guida foge de casa com o namorado. Ao retornar grávida, seis meses depois e sozinha, o pai, um português conservador, a expulsa de casa de maneira cruel. Guida e Eurídice são separadas e passam suas vidas tentando se reencontrar, como se somente juntas fossem capazes de seguir em frente.

Encantamento

Talvez o maior fator de encantamento de A Vida Invisível nem seja Guida ou Eurídice, tão distintas mas tão unidas, ou aquele Rio de Janeiro boêmio dos anos 50, mas sim a bela fotografia de Hélène Louvart, impossível de passar despercebida. Ao terceiro ato, há uma cena na qual a personagem de Eurídice Gusmão (vivida então por Fernanda Montenegro) olha para o horizonte através de janela e, num truque muito inteligente, é levada de volta a uma época da qual ela provavelmente esperava outro destino.

E é justamente por esta sutileza que A Vida Invisível é guiado. Aïnouz sempre gostou de sustentar suas histórias no visual estético – vide Madame Satã, O Céu de Suely e Praia do Futuro – e aqui não é diferente. As atuações de Carol Duarte e Julia Stockler são contidas e funcionam na medida para que o filme não se transforme em um melodrama. O comediante Gregório Duvivier, se mal dirigido, poderia entregar algo fora de tom, mas serve bem ao que lhe é proposto.

Fernanda Montenegro dispensa comentários. A ternura de seus olhares, a suavidade de seus gestos, a idade avançada que lhe dá uma aparência frágil – ainda mais por sabermos de tudo que já passara em vida – entram em conflito com sua presença, que é grandiosa por tudo o que a atriz representa para o nosso cinema. Vê-la lendo cartas novamente, 20 anos depois de sua indicação ao Oscar, é arrebatador.

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