Review | O Doutrinador

Em um ano eleitoral conturbado, um filme como O Doutrinador vem para dar números finais a este clima de guerra que atingiu até mesmo os grupos de WhatsApp da família. Ao contrário do que muitos pensam, não é a primeira vez que uma HQ brasileira é adaptada para o cinema. Tungstênio, baseado na graphic novel de Marcello Quintanilha, teve uma passagem rápida e despercebida pelos cinemas em 2018. Mas em tempos de heróis da Marvel, é natural que esta produção chame mais a atenção do público.

Antes de ir ao cinema, é bom saber que você não vai encontrar um herói que mata políticos da esquerda ou da direita. Apesar da polarização que nosso cenário político se encontra, O Doutrinador foca no combate à corrupção. Literalmente.

Na história baseada na HQ de Luciano Cunha – que assina o roteiro ao lado de Gabriel Wainer – acompanhamos o agente federal Miguel (Kiko Pissolato). Depois de se ver prejudicado no trabalho por questões burocráticas, Miguel ainda sofre um grande baque na família que o leva a se rebelar contra o sistema. Utilizando uma máscara de gás, ele se torna o Doutrinador e passa a perseguir os maiores líderes políticos do país.

Apesar do momento oportuno e da ideia que chama atenção a princípio, o grande problema de O Doutrinador se resume às escolhas que acabam fazendo do filme um amontoado de clichês de um gênero já desgastado.

Desde o início notamos um relacionamento próximo entre pai e filha, porém o diretor Gustavo Bonafé não tem tempo para desenvolver melhor esta relação, assim, logo dá cabo da vida da menina. É o ponto de partida para vermos o anti-herói se rebelar contra um sistema falho. O hospital não tem leitos nem médicos para atende-la e Miguel vê a filha morrer em seus braços. Apesar da carga dramática que uma cena dessa deveria trazer, a execução é tão superficial que nem mesmo nas novelas de hoje em dia vemos mais.

Quando Miguel e seu Doutrinador partem para a porradaria há certo fôlego. Bonafé aposta no gore. Eduardo Moscovis é uma das primeiras vítimas do Doutrinador em uma cena com bastante violência e sangue. É o cartão de visitas que aqueles mais ávidos por brutalidade queriam, mas depois são criadas tantas arestas no roteiro que essa violência vai se tornando cada vez menos presente e impactante.

Canastrões

Somos apresentados à classe política. Os vilões da história. Não é preciso conhece-los a fundo, afinal, são todos corruptos, canastrões e só fazem o mal. Justamente por isso, quando vemos os políticos confabulando acabamos dando risada dessa verdade inconveniente, como na cena em que o caricato fumante de charuto Antero Gomes (Carlos Betão) diz a uma mesa repleta colegas: parem com as palhaçadas, vocês não estão no Congresso. É o famoso rir da própria desgraça.

Essa sátira à classe política pode ser uma faca de dois gumes. Se por um lado evidencia nosso herói e faz com que torçamos por ele, por outro é puro maniqueísmo que exalta caricaturas. Até mesmo o jovem político ficha limpa é afastado do público, ele se mostra um abobalhado covarde que provavelmente não conseguirá segurar as pontas de ser o próximo presidente. Fica difícil querer que algo de bom aconteça com ele.

No lado dos heróis, o problema continua. Kiko Pissolato não constrói bem seu personagem e Miguel parece o mesmo do início ao fim, os coadjuvantes têm breves participações e volta e meia aparecem de acordo com as convenções do roteiro. A única que marca presença é a jovem hacker Nina (Tainá Medina) que passa a ajudar Miguel a chegar aos corruptos burlando vários sistemas. Por mais que sua frase “eu sou hacker, porra!” seja engraçada, é difícil acreditar que ela é realmente capaz de fazer tudo o que faz.

Há de se elogiar o capricho no design de produção de Margherita Pennacchi e na fotografia de Rodrigo Carvalho, que dão identidade à cidade fictícia de Santa Cruz, uma mistura de São Paulo e Brasília. As sequências noturnas chamam atenção e dão certo charme à história que, aliada à edição enérgica de Federico Brioni, criam um estilo próprio que uma adaptação de HQ precisa.

Por outro lado, era de se esperar maior apuro nas sequências de ação. São poucas e nenhuma delas é filmada da melhor maneira. O filme acaba marcando mais pelos momentos em que rimos dos políticos falando bravatas do que pela ação propriamente dita.

Por ser um filme que já tem planos de virar uma série, muita coisa que se mostra desajustada ainda pode ser alterada, mas isso não salva O Doutrinador de ser uma experiência abaixo da média. Resta saber quais serão as intenções dos produtores para a série. Continuar do ponto em que o filme terminou? Utilizar o piloto como base para desenvolver melhor toda a história? Ou começar do zero?

De qualquer forma, visto o cenário atual, é um filme que deve agradar ao público justamente por combater a corrupção de maneira simples e eficaz. Cortando o mal pela raiz.

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