Review | O Iluminado (1980)

OBS: antes de dar início à leitura deste Review, vale lembrar que o texto original foi publicado em 2019, na ocasião da exibição da cópia restaurada do clássico. Boa leitura!

Hoje considerado um dos maiores filmes de todos os tempos, O Iluminado não foi muito bem recebido pela crítica da época, que estranhou a incursão do intelectual Stanley Kubrick no terror – considerado menor pela intelligentsia de então – ainda mais numa obra do popularesco Stephen King, que não desfrutava do prestígio de hoje em dia. Na verdade, foi o segundo livro do autor a ir para a telona – o primeiro foi outro clássico, Carrie, A Estranha, de Brian De Palma – e ele odiou os dois.

O motivo principal, neste caso, é que Kubrick dá uma abordagem mais psicológica que sobrenatural à trama, e esse é um dos trunfos do filme. Jack Nicholson foi a primeira opção para o papel de Jack Torrance, assim como Shelley Duval como sua esposa Wendy. Ele começou a chamar a atenção ao interpretar o advogado que fica chapado de maconha em Sem Destino e cinco anos antes de O Iluminado ganhou seu primeiro Oscar por Um Estranho no Ninho, em que faz um malandro que finge insanidade para deixar a prisão e ir para um manicômio, onde ele achava que a vida seria mais tranquila (#sqn). A imagem de maluco, que o acompanhou o resto da vida, já estava consolidada.

Dessa vez, seu personagem se candidata a ser zelador de um hotel nas montanhas, que fica isolado pela neve no inverno, tendo como companhia apenas sua esposa e o filho Danny. Sua justificativa para o autoexílio era escrever um romance. O “iluminado” do título é o menino, cuja mediunidade é percebida pelo cozinheiro Halloran (o músico e ator Scatman Crothers).

Enquanto Danny tem encontros arrepiantes pelos corredores do hotel (as gêmeas no passeio de velotrol é um meme até hoje), seu pai lentamente vai perdendo a razão com seu bloqueio criativo. O que para Danny surge por causa da mediunidade, em Jack parece uma possessão cuja porta de entrada é o fracasso, que começa a atribuir à mulher e ao filho por sugestões fantasmagóricas – ou de seu inconsciente?

Mudanças

Shelley Duvall é uma atriz cujo ponto alto da carreira no cinema foi este trabalho, e não é à toa. Sem qualquer glamour, faz uma mulher comum que, de repente, tem que lutar pela própria vida e de seu filho. Nicholson, por sua vez, entrega a performance de sua vida, mesmo confessando que havia desistido de acompanhar as mudanças no roteiro promovidas por Kubrick e o lia apenas momentos antes de filmar.

Quase 20 anos depois, quando Tim Burton quis convencer a Warner a escalar o astro como Coringa, pegou uma imagem de O Iluminado, pintou a cara de branco, os cabelos de verde e mostrou aos homens do dinheiro, que obviamente compraram a ideia. Nicholson trocou um cachê de estrela por porcentagem nos lucros e ficou milionário com Batman (1989), maior bilheteria do estúdio até a trilogia O Senhor dos Anéis.

Quando a Warner resolveu refazer cenas de Blade Runner, foram usadas tomadas aéreas não utilizadas por Kubrick em O Iluminado para dar um happy end improvável ao filme de Ridley Scott. Mas há outra ligação curiosa entre as duas produções: o ator Joe Turkel, que faz o bartender fantasma do hotel, também é o fabricantes de androides Tyrell, no sci-fi de 1982.

Como acontece com qualquer obra de arte, o veredito final é sempre da posteridade. Hoje, mesmo quem nunca assistiu o filme conhece a imagem de Jack Nicholson dando machadadas na porta e dizendo “Here’s Johnny!” (bordão de abertura do talk show de Johnny Carlson), ou a enxurrada de sangue saindo da porta do elevador. O Iluminado não é apenas uma obra-prima da Sétima Arte, mas uma referência da cultura pop.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *