Review | Rainhas do Crime

Assim que o selo DC Vertigo surge nos créditos iniciais da projeção de Rainhas do Crime (The Kitchen no original), o espectador que tem uma certa base de quadrinhos se ajeita na cadeira. A Vertigo é responsável por produzir histórias mais adultas dentro da DC, o que gera uma expectativa repentina para que o filme siga o mesmo caminho.

A temática já é atraente por si só e os saudosistas dos filmes de máfia de Scorsese devem se sentir curiosos com o longa. A trama se passa no fim dos anos 70, mais especificamente no bairro Hell’s Kitchen, na Nova York de 1978. Kathy (Melissa McCarthy de Poderia me Perdoar?), Ruby (Tiffany Haddish de Girls Trip) e Claire (Elisabeth Moss de Nós) são esposas de mafiosos que têm os maridos presos pelo FBI. Após serem negligenciadas pelo manda-chuva da região, elas têm que assumir as rédeas do negócio, cuidando das falcatruas e eliminando a concorrência.

Mulheres em destaque

É interessante ver o cinema de hoje abrir as portas para que as mulheres também tenham protagonismo em filmes de máfia, crime e assalto, subgêneros historicamente dominados pelos homens – As Viúvas fez isso ano passado, assim como 8 Mulheres e Um Segredo e o mais recente As Trapaceiras.

A cadeira de direção é assumida por uma mulher: Andrea Berloff (roteirista indicada ao Oscar pelo aclamado Straight Outta Compton: A História do N.W.A.) estreia atrás das câmeras e também roteiriza o longa, só que falta a Berloff dar mais identidade a uma história adaptada de uma HQ, ainda mais de um selo que preza pelo autoral. A ausência de uma violência mais explícita, seja no linguajar ou no sangue, é encarada como uma produção comedida para não chocar o público. E a edição ágil e repleta de elipses implica em nossa conexão com aquelas mulheres.

O maior destaque dentre as personagens vai para a Ruby de Haddish. Ver uma mulher negra inserida na máfia irlandesa brigando por seu espaço é realmente representativo e Haddish surge com uma veia dramática bastante forte, embora o longa vá se perdendo nas reviravoltas e surpresas que quer pregar no espectador, ao final tudo quase se perde por uma intensa vontade de surpreender ao invés de desenvolver as personagens.

A reconstituição de época também se destaca, desde as roupas, cabelos, carros e ruas de Hell’s Kitchen – com a velha mania gângster de atravessar a avenida no meio do fluxo. O longa está repleto de figurões que lembram quaisquer outro personagens de filmes de máfia, Common é um agente do FBI que está sempre à espreita, Bill Camp é um mafioso italiano no estilo Poderoso Chefão, Margo Martindale é a sogra rabugenta de Ruby e Domhnall Gleeson aparece para jogar ao lado do trio de mulheres.

A trilha sonora setentista passa por bandas como Kansas, Lynyrd Skynyrd e Heart, cumprindo seu papel de nos levar à época, mas de nada adianta toda essa embalagem se a história segue uma cartilha já pré-estabelecida pelo gênero e pouco se preocupa em criar momentos genuínos para aquelas personagens, limitando-se ao feminismo panfletário.

Por um lado é revolucionário ver três mulheres se sobressaindo frente aos homens que dominam Hell’s Kitchen -e um gênero -, porém o filme se apresenta sem nenhuma grande camada dramática ou cômica, se limitando a puro escapismo onde mulheres cansadas de estarem inseridas em um contexto machista vão à luta por seu próprio protagonismo. Um pouco de autenticidade na estética e nos diálogos não faria mal, em suma, é um filme que grita muito mas mostra pouco.

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Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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