Review | Viúva Negra

Depois de inúmeros adiamentos por conta da pandemia do Covid-19, Viúva Negra finalmente estreia nos cinemas – e no Premier Access do Disney+. Interessante como nestes 11 anos de Universo Cinematográfico Marvel (MCU), a personagem evoluiu de uma sexy espiã infiltrada nas Indústrias Stark – exatamente como nas HQs, só que a serviço da Shield e não da KGB – para a mais importante heroína dos Vingadores, cujo sacrifício em Ultimato foi imprescindível para reverter o Blip de Thanos.

O talento e carisma de Scarlett Johansson foram fundamentais para o desenvolvimento da personagem e para gerar empatia com os fãs, que praticamente exigiram um filme solo de Natasha Romanoff. Seguem algumas considerações sem spoilers para guiar o espectador. Mais adiante, falaremos aos que já viram o filme.

A ação se passa exatamente entre o final de Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita. Só para refrescar a memória, no final do primeiro, ela “traiu” o time do Homem de Ferro ao permitir que que Steve Rogers e Buck Barnes fugissem rumo ao esconderijo da Hydra que abrigava os soldados invernais.

No segundo, ela reaparece ao lado do Capitão América e do Falcão para salvar o Visão e a Feiticeira Escarlate dos asseclas de Thanos. Em Vingadores: A Era de Ultron vimos vislumbres do passado dela e seu treinamento na Sala Vermelha, visto como uma academia de espiões russos.

Nesse meio tempo, ela usa recursos e expedientes de espião para desaparecer, especialmente o contrabandista Mason (O-T Fagbenie, de O Conto da Aia). Além de providenciar um esconderijo na Noruega, ele entrega uma caixa com coisas deixadas no último esconderijo de Natasha antes dos eventos de Vingadores, em Budapeste (naquele filme, a cidade é mencionada por ela e o Gavião Arqueiro como um lugar onde coisas ruins haviam acontecido).

Um acontecimento inesperado faz com que ela retorne para lá em busca de respostas e de sua irmã adotiva, Yelena Belova (Florence Pugh, indicada ao Oscar por Adoráveis Mulheres, no mesmo ano em que Scarlett concorreu por História de um Casamento e Jojo Rabitt). Antes, um prelúdio nos relata a natureza da relação das duas “irmãs” e seus “pais” Alexei Shostakov (David Harbour, de Stranger Things) e Melina Vostokoff (Rachel Weisz, de A Favorita).

The Americans

Uma passagem desta sequência, que remete à série The Americans, revela uma das principais inspirações de Viúva Negra, que são os filmes de James Bond. Não apenas pelo cenário da Guerra (de Novo!) Fria (meio deslocado no tempo real, porque em 1995 a URSS já tinha se desfeito) como pelas cenas de ação, principalmente em uma já no terço final, que emula uma famosa de 007 contra o Foguete da Morte, que é o filme que Yelena assiste na TV em Ohio. Tem um vilão megalomaníaco? Tem, Tem um plano de dominação mundial? Tem. Tem uma base secreta cheia de homens armados? Tem. Tem um henchman (capanga) duro de matar? Tem.

Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) e Yelena (Florence Pugh)

A diferença é o protagonismo feminino, exigido pelas heroínas e pelos novos tempos. E aqui temos outra inspiração mais velada, mas evidente, que são as tramas envolvendo assassinas sedutoras treinadas para matar, tipo Nikita, filmes (o francês de Lu Besson, estrelado por Anne Parillaud e o remake americano com Bridget Fonda) e séries (o clássico com Peta Wilson e o mais recente com Maggie Q.), e em anos mais recentes, duas produções também foram por este caminho, Operação Red Sparrow (com Jennifer Lawrence) e Anna: O Perigo tem Nome (dirigido e escrito por, veja só, Luc Besson).

Em todas, a heroína é uma jovem marginal recrutada por uma organização secreta, treinada e colocada à prova ao limite, para se tornar uma assassina implacável. Aqui, no entanto, é feito um paralelo com o mundo real, sob uma metáfora com o tráfico de mulheres e crianças.

A trama se sustenta na dinâmica entre Scarlett e Florence, que hoje está num patamar semelhante à de sua parceira em 2011: jovem, bonita e talentosa, ostentando um currículo de trabalhos notáveis, como o já citado Adoráveis Mulheres e Midsommar. David Harbour deveria ser o alívio cômico, mas, francamente, mais irrita do que diverte com seu Guardião Vermelho. Rachel Weisz é uma atriz bem mais tarimbada, que fez desde os dois primeiros A Múmia quanto O Jardineiro Fiel (dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e que lhe deu o Oscar de Atriz Coadjuvante), e segura bem melhor quando exigida.

É uma digna homenagem do MCU à Viúva Negra, que pode ter sido atrasada, mas antes tarde do que nunca. Para quem assina o Disney+, pode ser interessante assistir ou rever a lista que o serviço de streaming compilou com todas as participações de Natasha Romanoff nos filmes da megafranquia.  Agora, se for para conferir esta nova produção, recomendo a tela grande do cinema. Scarlett Johansson merece isso. E não se esqueça da cena pós-créditos, que está no finalzinho dos letreiros.

Agora, a discussão com SPOILERS

Ao contrário da maioria dos filmes da Marvel, os créditos dos atores aparecem no começo, e um nome que chama atenção é o de Olga Kurylenko. Por que? É uma atriz razoavelmente conhecida, principalmente por ter sido a primeira atriz nascida na ex-URSS (em 1979, na Ucrânia) a interpretar uma Bond Girl, em Quantum of Solace. À medida que o filme avança, vai ficando meio na cara quem ela é. É outro easter egg de 007. O outro que citei acima é Natasha saltando para levar um paraquedas para Yelena, que é inspirada no prólogo de 007 contra o Foguete da Morte, em que James Bond (Roger Moore) salta de um avião em queda e rouba um paraquedas de Jaws (Richard Kiel) em pleno ar, na época uma proeza de dublês sem CGI.

Outras inspirações para as cenas de ação são as franquias Bourne (a luta no apartamento) e Missão: Impossível (a perseguição de moto e carro). Mas há certa irregularidade entre elas, sendo a sequência da fuga do gulag a mais mal feita (tem até um erro evidente de edição). Também no clímax na sede da Sala Vermelha constatamos algumas falhas de continuidade que permitem a clareza que nos acostumamos no MCU, onde sempre dá para entender o que está acontecendo, mesmo na maior destruição.

Como era de se esperar, esta foi uma passagem de bastão de uma viúva para outra mais jovem. A cena prós-créditos reforça e o IMDB já confirmou a presença de Florence/Yelena na série do Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), que também vai passar seu manto – ou arco – para Kate Bishop (Hailee Steinfield, de Bravura Indômita e Bumblebee).

Questões pendentes: há uma fala do Guardião Vermelho na prisão, em que ele afirma ter enfrentado o Capitão América, e outro detento o contradiz, lembrando que quando Steve Rogers descongelou, Alexei já estava encarcerado. Era só uma bravata ou teria havido outro Capitão, a exemplo de Isaiah Bradley, que foi revelado em Falcão e o Soldado Invernal?

Também a aparição da Condessa Valentina Allegra de La Fontaine (com Julia Louis-Dreyfus se divertindo a valer) é outra interrogação, especialmente depois dela cooptar o Agente Americano na série supracitada. Para quem ela trabalha? A velha Hydra – como nos quadrinhos – ou uma nova organização?

Viúva Negra pode ser um grand finale para Natasha Romanoff, mas também acrescentou alguns tijolinhos para a Fase 4 da Marvel nos cinemas.

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