O primeiro filme importante a chegar ao Topázio Cinemas de Indaiatuba este ano é Judas e o Messias Negro, que teve duas míseras indicações ao Globo de Ouro, de Ator Coadjuvante e Trilha Musical Original. Mesmo não tendo visto todos os indicados à categoria Filme Dramático, ele é superior – ao menos – aos que eu vi, como Mank e Os 7 de Chicago.
Posso dizer o mesmo em direção, o trabalho de Shaka King é muito melhor que o de David Fincher, Aaron Sorkin e da estreante Regina King (Uma Noite em Miami é um tédio só).
E mesmo o prêmio vencido por Daniel Kaluuya não foi o mais adequado, pelo simples motivo dele ser o protagonista e não coadjuvante. Seu Fred Hampton, o Messias Negro, é mesmerizante, um show de carisma de um intérprete que vem num crescendo desde que explodiu em Corra!.
Acredito que seja um movimento dos produtores – entre eles Ryan Coogler, diretor de Pantera Negra – para escapar da concorrência de Chadwick Boseman, cujo papel em A Voz Suprema do Jazz pode perfeitamente ser considerado coadjuvante, uma figura ficou tão grande que sua premiação póstuma virou quase inevitável, inclusive no Oscar.
Mas vamos ao filme propriamente dito. No final dos anos 60, com o movimento negro literalmente pegando fogo após o assassinato de Martin Luther King, o vice-presidente dos Pantera Negra de Illinois, Fred Hampton, inicia negociações para integrar os diversos movimentos comunitários da cidade de Chicago numa frente ampla Arco-Íris.
Se ele já preocupava o poderoso diretor do FBI, J. Edgard Hoover (o lendário Martin Sheen, de Apocalypse Now e The West Wing, com uma maquiagem pior que a de Leonardo Di Caprio em J. Edgar), agora se torna assunto prioritário. É Hoover que usa a expressão “messias negro”.
Infiltrado
É quando entra em cena o “judas” Bill O’Neal, um ladrão pé-de-chinelo que é preso pelo FBI por se passar por um agente do bureau, sendo forçado a se infiltrar nos Panteras Negras e se aproximar de Hampton. É por meio da atuação cheia de nuances de LaKeith Stanfield (também de Corra!) que conhecemos o partido, sua importância no contexto do período e sua atuação dentro das comunidades negras, para além da imagem revolucionária e violenta.
De um jovem negro sem perspectivas como tantos, fascinado por carrões, O’Neil se vê dividido entre a causa e as vantagens oferecidas por seu contato na agência federal, sem falar no fato de ficar fora da prisão.
O filme deixa claro o clima de guerra civil vivido na época – o mesmo em que se passa Os 7 de Chicago – e cria um paralelo com a realidade recente das ruas dos Estados Unidos. Militantes de um partido assumidamente socialista e revolucionário foram executados na rua, dentro de hospitais e em sua própria cama pelo Estado.
Meio século depois, cidadão negros comuns são assassinados na rua e em casa pela polícia em abordagens rotineiras, com a diferença de que hoje há câmeras em toda a parte e mídias sociais para viralizar. Lá, como aqui, na dúvida, atire.
O Black Lives Matter torna mais atual a luta dos Pantera Negra, e a crise econômica e consequente pauperização das camadas marginalizadas faz com que grande parte de seu discurso anticapitalista faça ainda mais sentido.
A metáfora bíblica do título se concretiza na coda da narrativa, naqueles tradicionais letreiros que contam o destino nos personagens envolvidos. Judas e o Messias Negro é uma porrada, e não me admira que pelo menos três pessoas tenham deixado a sala na sessão que assisti.
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