Review | Marighella

Eliana Belo

Estreia hoje, 4 de novembro de 2021, o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura, produzido em 2019. Com dois anos de atraso influenciado não só pela pandemia, mas por ter tido problemas nos trâmites regulatórios em uma Ancine (Agência Nacional do Cinema) cooptada pelo bolsonarismo, o filme apresenta parte da biografia do revolucionário baiano Carlos Marighella entre os anos 1964 e 1969, quando ele liderou um grupo de guerrilha urbana armada que resistiu ao regime militar que teve início após o Golpe em 1964.

O enredo foi inspirado no livro Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, escrito pelo jornalista Mário Magalhães e que narra parte da biografia do fundador da ALN – Aliança Libertadora Nacional (1964-85), considerado o maior grupo armado de resistência ao regime. Considerando a referência, o conteúdo da obra não seria tão impactante se não retratasse com bastante rigor histórico o que o próprio Marighella escreveu e foi traduzido para centenas de idiomas, mais especificamente no livro Manual do Guerrilheiro Urbano.

Se você já leu, ler ou reler antes de assistir o filme, irá reconhecer nas falas e cenas compostas o que de mais contundente ele elencou para seus pares de guerrilha. Neste sentido, o filme é um primor de aula histórica: mesmo sabendo que na tela há toda uma reconstrução artística que emociona, ele ensina, é eficientemente didático para se compreender a época.

Trilha sonora

Seu Jorge, que não é ator, mas foi ousadamente escolhido para ser o protagonista, chama a atenção pela sua voz lúcida, firme e transparente como todas as ideias e táticas do homenageado, fazendo com que se esqueça definitivamente – e até se surpreenda – com aquela época em que íamos assistir um filme brasileiro sem conseguir ouvir as falas, dado ao péssimo sistema sonoro.

E ainda considerando o som, a trilha sonora foi escolhida tão adequadamente que é impossível pensar no enredo sem as músicas, tal a sincronicidade. Já Bruno Gagliasso, como Delegado Lúcio, tira o fôlego do espectador, ao compor com tanta habilidade um personagem tão repugnante, desonesto e nefasto em seus princípios, mas brilhantemente eficaz em seus objetivos, uma vez que tratava revolucionários como bandidos comuns, algo rechaçado por Marighella em várias de suas manifestações faladas e escritas.

Na atual conjuntura que estamos vivendo, a obra chega em boa hora para ensinar quem nada conhecia sobre esse personagem histórico que é propositalmente eclipsado nos currículos oficiais. Mas também para relembrar os pressupostos de quem resistiu ao regime militar que, embora tivesse sido implementado “provisoriamente”, permaneceu 21 anos e só retrocedeu às custas de quem lutou para restabelecer a nossa – ainda tão frágil – Democracia.

Um filme necessário em uma época necessária. Um filme de História e, ao mesmo tempo, um filme de História do Tempo Presente, no qual se entenderá explicitamente os motivos que o bolsonarismo o deixou propositalmente em banho-maria, sem autorização de exibição.

* Eliana Belo é historiadora, escritora e pesquisadora da História de Indaiatuba, com o blog História de Indaiatuba e assistiu o filme a convite do Topázio Cinemas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *