Review | Segredos de um Escândalo

Já de cara afirmo que este é um dos filmes mais injustiçados pelo Oscar deste ano, mesmo com uma indicação para Roteiro Original. Segredos de um Escândalo ficar fora das disputas para Melhor Filme, Direção (Todd Haynes), Atriz (Natalie Portman, mas Julianne Moore também dá show) e até Ator Coadjuvante para Charles Melton é, bom, um escândalo!

Vinte anos antes, a dona de casa Gracie (Julianne Moore) foi flagrada tendo um relacionamento com o adolescente Joe (Charles Melton), que tinha 13 anos. Ela foi presa, deu à luz à filha de ambos na cadeia e, ao ser libertada, casou-se com o garoto e formaram uma família, gerando mais um casal de gêmeos.

O caso, inspirado num fato real, virou notícia em todo o mundo e agora está prestes a virar um filme. Para interpretar Gracie, a atriz Elizabeth (Natalie Portman) consegue se aproximar dela e da família para fazer um laboratório.

Haynes é um discípulo de Douglas Sirk, o mestre do melodrama hollywoodiano dos anos 1950, que trabalha mais nas entrelinhas que no explícito, mas desta vez introduziu um elemento desconcertante e hipnotizante, que é a trilha sonora inspirada na do clássico O Mensageiro, de Joseph Losey, composta por Michel Legrand.

Coube ao paulistano Marcelo Zarvos (de Extraordinário) reorquestrar a partitura original para inseri-la em Segredos de um Escândalo. O recurso não apenas conecta a trama ao filme de Losey – que tem em comum um menino de 13 anos subitamente atirado num escândalo entre adultos – mas também o tema musicalmente anacrônico, que gera estranheza e fascínio.

Não à toa, a música ficou no centro de uma polêmica, com críticos se dividindo contra e a favor do uso da obra de Legrand. Eu fico entre os que lamentam que a trilha não possa concorrer ao Oscar da categoria, porque ela é fundamental para o filme de Haynes.

Superfície

A vida suburbana de Gracie, Joe e seus filhos parece comum na superfície, mas a música ao fundo parece constantemente indicar que há algo sob esse verniz. Elizabeth vai percebendo isso nas reações dos filhos, prestes a se formar no high school e partindo para a faculdade, na normalização com que Gracie encara o passado e suas consequências, conhecendo o ex-marido e filho que deixou – e que era colega de Joe – e, finalmente, no próprio ex-adolescente, que parece mais irmão que pai dos filhos, tanto pela idade quanto pela inexperiência com tantas coisas que não viveu.

A própria Elizabeth não é apenas um fio condutor das revelações dos segredos do escândalo: ela faz uma imersão em Gracie movida não apenas pela construção do personagem, mas por uma insatisfação com a própria vida e carreira de atriz de TV, que talvez enxergue nesta produção de baixo orçamento uma chance de fazer algo relevante.

Mas à medida que tenta entender sua personagem (em uma cena que emula Persona, de Bergman), a atriz percebe que a personalidade manipuladora e controladora de Gracie vai além do que ela supunha.

A delicada construção da trama contrasta com a violência dos traumas e abusos, sem cair no óbvio e no lugar comum. Concordo com Isabela Boscov, que considera este o melhor trabalho de Todd Haynes e a maior atuação de Natalie Portman (muito superior que no superestimado Cisne Negro, do igualmente sobrevalorizado Darren Aronofski).

Tendo a achar que o tema incômodo, a construção original e fora da zona de conforto do espectador fez com que o filme não recebesse o devido reconhecimento dos membros da Academia de Hollywood. Uma pena.

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