Review | Tempo

É inegável que M. Night Shyamalan seja uma das assinaturas mais reconhecidas do cinema contemporâneo, no nível de Quentin Tarantino, Pedro Almodóvar e – vá lá – Christopher Nolan. Ao ver esses nomes nos anúncios e trailers já sabemos mais o menos o que esperar. Interessante que na atual crise das salas de exibição causadas pela pandemia do Covid-19, Nolan se manifestou com seu Tenet sendo lançado na telona em plena quarentena como “a salvação do cinema” (não foi) em suas próprias palavras; e Shyamalan, numa declaração logo antes de seu Tempo, que acabou de estrear.

Dito isso, se por um lado seu último trabalho traz o que esperamos dele – tema intrigante, tomadas perfeitamente inseridas na narrativa e muito suspense – , por outro esbarra num problema já visto anteriormente, que é a direção de atores.

Por isso Tempo lembra, de certa forma (e ironicamente, em português), Fim dos Tempos, em que a escalação dos atores comprometeu o projeto (Zoey Deschanel fazendo um drama apocalíptico, WTF?). Atores de peso como Gael Garcia Bernal, Vicky Krieps (revelação em Trama Fantasma) e o habitualmente bom vilão Rufus Sewell parecem atuar em uma peça infantil, sem saber bem o que fazer na história. A partir daqui, spoilers.

Segundo o próprio diretor, a ideia para o filme surgiu quando ele ganhou de presente de suas filhas a graphic novel Sandcastle (Castelo de Areia), de Pierre Oscar Lévy e Frederik Peeters, que o levou a pensar na passagem do tempo, de seus pais envelhecendo e suas garotas amadurecendo.

Daí que a trama é centrada na família formada por Guy (Bernal), um especialista em riscos; sua mulher, Prisca (Vicky), que é curadora de museu; e os filhos Maddox (Alexa Swinton, de Billions, e depois Thomazin McKenzie, de Jojo Rabbit) e Trent (Nolan River e, mais tarde, Alex Wolff, de Hereditário).

Uma promoção na Internet os leva a um resort paradisíaco, cujas boas-vindas do gerente nórdico (o sueco Gustav Hammarsteen) remete à Ilha da Fantasia dos anos 70, com uma bela loira (Francesca, filha de Clint Eastwood com Frances Fischer) ao invés do anão Tatoo.

Secundários

Aí os personagens secundários começam a ser apresentados. O arrogante médico Charles (Rufus Sewell, veterano no tipo) com sua esposa troféu, Chrystal (Abby Lee, de Lovecraft Country), a mãe, Agnes (Kathleen Chalfant) e a filha pequena, Kara (mais tarde, Eliza Scanlen, de Adoráveis Mulheres). O casal formado pelo enfermeiro Jarin (Ken Leung, de Inumanos) e a psicóloga Patricia (Nikki Amuka-Bird, de A Lavanderia).

Esse seleto grupo é convidado a conhecer uma paradisíaca praia secreta, onde encontram o DJ celebridade Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre, de The Underground Railroad), que tinha ido até lá com uma fã, que desapareceu no mar após uma cena de sensualização.

Esse contingente de personagens e atores acaba sendo demasiado para o cineasta. A dinâmica entre eles não funciona, os arcos não se desenvolvem a contento e se encerram de forma abrupta, o crescimento das crianças não segue uma lógica e diversas imagens são toscas, como a descoberta do sexo/gravidez/parto, que resulta num dos bebes falsos mais constrangedores desde Sniper Americano (lembra?).

O plot twist da trama é meio forçado, mas como disse Marcelo Hessel, do Omelete, não há cinismo em Shyamalan, ele sempre acredita em suas histórias, o que dá uma certa honestidade ao desfecho. Mas poderia ter terminado antes, sem a explicação para idiotas. A presença de Embeth Davitdz nesse final me pareceu um tributo a outro filme em que a passagem do tempo é emblemática, O Homem Bicentenário, principal trabalho da filmografia da atriz. Ah, sim, e a resposta à pergunta do médico esquizofrênico é Missouri Breaks, ou Duelo de Gigantes, no Brasil.

 

 

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