Review | Watchmen (HBO)

Watchmen foi uma das melhores coisas em um ano repleto de excelentes produções no audiovisual. O último episódio fechou as tramas principais de forma bastante satisfatória, mas deixou uma grande interrogação para quem é fã da graphic novel de Alan Moore e David Gibbons. Preciso dizer que vem SPOILERS pela frente?

O showrunner Damon Lindelof (Lost e The Leftlovers) parece se incomodar – como muitos – com a impunidade de Ozymandias (em construção magnífica de Jeremy Irons) após matar três milhões de pessoas – mesmo que tenha sido para salvar o mundo de uma hecatombe nuclear – e tratou de puni-lo, tanto pelas mãos do Dr. Manhattan, que o persuadiu a aceitar umas férias em um mundo criado por ele na lua Europa de Júpiter, e que na verdade acabou sendo uma prisão de luxo; como no último capítulo, em que ele recebe voz de prisão de Laurie Blake (Jane Smart), uma das únicas pessoas que sempre soube da farsa, e Looking Glass (Tom Blake Nelson), que passou a vida atormentado pelo massacre causado pelo homem mais inteligente do mundo.

Outro ponto é a existência de um ser superpoderoso, capaz de viajar para qualquer lugar do universo, mas que, por sua origem humana, sente-se atraído pelo planeta Terra, especialmente pelas fêmeas humanas. Neste terceiro casamento, Dr. Manhattan (Yahya Abdul-Mateen II, o Arraia Negra de Aquaman) escolhe a dedo uma mulher traumatizada pela perda dos pais em um atentado terrorista no Vietnã e que ainda por cima é neta de um sobrevivente de um massacre racista em Tulsa.

O paralelo entre as duas situações é brilhante. Regina King carrega o protagonismo da história com bravura, talento e carisma. No caso de uma ainda não confirmada segunda temporada, herdará ela os poderes de seu ex? Talvez uma sequência banalize esse final intrigante.

Na minha opinião, uma segunda temporada seria mais interessante ao contar a história do grande ausente da série: o Coruja, ou Dan Dreiberg. Num dos primeiros episódios é dito que ele está numa prisão especial, mas como foi parar lá e por que a polícia usa naves iguais à dele? No último episódio, é explicado que o design é dele, mas a original havia ficado o tempo todo no Polo Norte.

O destino do ex-parceiro de Rorschach (juntos, eles representavam os dois lados do Batman: o detetive científico e o vigilante obcecado) e sucessor do Dr. Manhattan no coração de Laurie née Juspeczyk é a grande interrogação para quem é fã da HQ.

Ponta solta

Se não houver mesmo uma nova temporada, continuaremos sem saber a identidade do Lub Man, o vigilante besuntado que foge de Laurie ao se enfiar numa galeria de águas pluviais. Uma sequência muito longa para ser gratuita.

A qualidade da produção é um de seus trunfos, seja em fotografia, montagem (por vezes, brilhante), trilha sonora ou atuações. Mas outra vantagem de Watchmen sobre a concorrência na fantasia e sci-fi é sua contemporaneidade.

Como Lindelof chegou a dizer, o racismo é o grande tema atual, como era a Guerra Fria na época da graphic novel. A maioria dos “mocinhos” são negros: Angela, seu avô Will Reeves (Louis Gosset Jr., um dos poucos afro-americanos a ter um Oscar de atuação) e o novo Dr. Manhattan, encarnado em Cal.

Já os brancos se dividem em racistas descarados como a Sétima Cavalaria e seu antepassado Ciclope, ou aqueles que não são o que parecem ser, como Judd Crawford (Don Johnson, que parece estar se especializando nisso), sua mulher Jane (a veterana Frances Fisher, de Titanic e Os Imperdoáveis) e o senador Joe Keene (James Wolk, de Mad Men).

Ou então são amargos ex-vigilantes, como o arrogante Adrien Veidt e Laurie Blake, que assumiu o nome e o cinismo do Pai, Edward Blake, o Comediante. O paralelo estabelecido entre o massacre de Tulsa em 1921 e o que aconteceria se os EUA tivessem vencido a Guerra do Vietnã compara o racismo originado do escravagismo com o imperialismo americano ao redor do mundo. E a agenda liberal de um presidente Robert Redford, o oposto do também ex-ator Ronald Reagan, gera mais ressentimento entre os brancos, a exemplo do que ocorreu durante os mandatos de Bill Clinton e, principalmente, Barack Obama.

Megalomaníacos

A própria Lady Trieu, fruto desse imperialismo, é um espelho dos atuais magnatas tecnológicos megalomaníacos, como Elon Musk, que vende um discurso de preocupação com o meio ambiente vendendo carros elétricos e viagens espaciais para milionários; ou mesmo o idolatrado Steve Jobs, que ironicamente rejeitou a própria herança genética ao recusar durante anos reconhecer sua filha fora do casamento.

Com todas essas qualidades, Watchmen esbarra num problema que evita que atinja a dimensão de, por exemplo, Game of Thrones (nem sei se era esse o plano), que é a profunda ligação com a obra de origem, a HQ de Alan Moore e David Gibbons. Não dá para “embarcar” em Watchmen se você não leu o original, e isso é pedir demais ao público. Talvez por isso uma segunda temporada ainda não tenha sido confirmada, apesar do barulho que a série causou, especialmente em sites e canais de YouTube especializados, comandados por nerds como eu e o gestor deste Nerd Interior.

Você, leitor leigo, só tem a ganhar ao ler Watchmen, mesmo fora do contexto da época, mas não dá pra exigir isso de todos os assinantes da HBO. Se houver uma sequência, acharei ótimo, mas desconfio que a ideia de Lindelof era homenagear o original com apenas estes oito lindos episódios.

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