Review | Em Defesa de Jacob (Apple TV+)

Nas últimas semanas, um acontecimento bem atípico tomou conta de toda população mundial. Diante de um inimaginável cenário de isolamento social, as pessoas tiveram que rever suas rotinas, seu jeito de trabalhar, a forma com que estudam e de que maneira elas suportariam passar a maioria do dia dentro de suas casas. Se fosse há alguns anos, a quarentena poderia ser enfrentada com maior dificuldade. Mas diante de tantos serviços de streaming disponíveis atualmente, os dias de isolamento em casa parecem ter seus sintomas amenizados.

Com o catálogo cada vez mais recheado, Netflix, Amazon Prime Video e HBO GO vem disputando a atenção – e a assinatura – daqueles em busca de conteúdos que os ajudem a passar o tempo. Diante de tamanha procura, os serviços vão se adaptando e as ofertas vão surgindo com uma programação cada vez mais diversificada.

Disponível na Apple TV+ (o serviço de streaming da Apple, apresentado no ano passado), Em Defesa de Jacob é uma minissérie com oito episódios, lançados semanalmente, e que terminou no último dia 29 de maio. Baseada no livro homônimo de William Landay, lançado em 2012, apresenta uma premissa comum: uma família de uma pequena cidade americana tem sua vida virada de ponta cabeça quando o adolescente Jacob (Jaeden Martell) é acusado de matar violentamente um colega de classe.

A partir daí, uma série de acontecimentos liga cada vez mais o garoto ao crime, e ele acaba virando o principal suspeito. Caberá a Andrew (Chris Evans) e Laurie (Michelle Dockery) fazer de tudo para provar a inocência do filho.

Reviravoltas

Não se deixe enganar pela aparente simplicidade da trama. O roteiro está nas mãos de Mark Bomback (Planeta dos Macacos: O Confronto), que apoiado no livro de Landay, constrói uma trama bastante envolvente, com ganchos e reviravoltas envolvendo os personagens na medida em que as investigações avançam. Aliás, as surpresas são várias e nenhuma delas parece gratuita. O excelente roteiro consegue a proeza de, ao final de cada episódio, despertar nossa curiosidade imediata para o próximo.

A elegante direção de Morten Tyldum (O Jogo da Imitação) também se mostra uma importante ferramenta dessa adaptação. Ele sabe onde colocar a câmera, conhece os enquadramentos necessários para fazer a história acontecer e transportar o espectador para dentro de cada cena, mantendo sempre o mistério.

Mesmo não sendo inovadora, a minissérie apresenta bem seus personagens, permitindo que durante os oito episódios eles possam mostrar várias nuances. A família, que até então vivia tranquila e bem, agora se depara com mudanças envolvendo perdas de amigos, emprego, chegando ao ponto de viverem isolados, situação esta que expõe todas as tensões e dúvidas que até então estavam escondidas.

Mas de nada adiantaria uma trama tão bem realizada se o elenco não correspondesse à altura do projeto: aqui surge um dos maiores prazeres da minissérie. Depois de se despedir do uniforme do Capitão América nos bilionários filmes da Marvel e de uma surpreendente participação no suspense Entre Facas e Segredos, Chris Evans revela uma faceta dramática construída com muita sensibilidade, como o patriarca de uma família em conflito.

É claro que ajuda ter ao seu lado a excepcional Michelle Dockery (Downton Abbey), no papel da mãe de Jacob, e também a personagem que se questiona durante a história. Ambos entregam atuações intensas, sem recorrer a artifícios baratos para garantir a emoção. Já o garoto Jaeden Martell (It: A Coisa) se destaca com um personagem frio e distante, permitindo uma interpretação ampla de sua personalidade, gerando assim muitas dúvidas sobre o comportamento de Jacob.

Em menor escala, mas nem por isso menos importante, os coadjuvantes apresentados vão surgindo e acrescentando peças-chaves para a condução e conclusão da trama. Conhecidos da televisão, Pablo Schreiber (Orange Is The New BlackAmerican Gods), Cherry Jones (Transparent, The Handmaid’s Tale), e o sempre ótimo J.K. Simmons (Oz, Counterpart) são algumas destas figuras que completam a trama.

Raciocínio

Com uma produção caprichada, a minissérie consegue prender a atenção em todos os episódios. Todas as situações são exploradas ao máximo: espectador e personagens estão diante dos mesmos fatos, das mesmas dúvidas e cabe a ambos construírem e tirarem suas próprias conclusões. A linha de raciocínio muitas vezes é interrompida devido aos desdobramentos cruéis que a trama vai apresentando, sendo necessário recomeçar uma nova linha narrativa com base nas novas informações.

O maior mérito de Em Defesa de Jacob é conseguir sempre deixar uma ponta de dúvida ao final de cada episódio. Até mesmo quando o crime completo é apresentado no sétimo capítulo, ainda restam muitas dúvidas para o derradeiro episódio seguinte, um espetacular amontoado de reviravoltas que apresenta intensamente novos detalhes, da mesma maneira que evita explicar alguns deles.

A maior reflexão extraída da minissérie é a forma com que os fatos são apresentados e julgados, e de que forma é possível reconstruir uma família depois de tanta exposição, mentiras e incertezas. Diante de dias tão imprevisíveis, Em Defesa de Jacob torna-se uma das mais empolgantes e viciantes estreias da temporada.

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