Review: Lovecraft Country (com SPOILERS!)

À exemplo do que foi Watchmen no ano passado, Lovecraft Country foi a coisa mais importante na HBO este ano. Em comum, as duas produções tiveram como ponto de partida duas obras de ficção fantástica, inspiradas no universo de duas mentes poderosas, Alan Moore e H.P. Lovecraft, e com uma forte ênfase black power, com ambos abordando o Massacre de Tulsa de 1921, episódio varrido para baixo do tapete da história americana, e pela segunda vez rememorado numa obra audiovisual de grande audiência.

Dois dos principais críticos da cultura pop, Marcelo Hessel, fundador do Omelete, e Michel Arouca, do Seriemaníacos e comentarista do Emmy na TNT, concordam comigo ao avaliar que a série foi um dos destaques deste ano tão atípico. Para um review dos primeiros cinco episódios, clique aqui.

A partir de agora, SPOILERS!

Lovecraft Country terminou corrido, com Deus ex Machina e questões em aberto? Sim, mas continuou sendo ótimo

Começando do fim, reconheço que a conclusão não foi aquilo que esperávamos, mas muito por culpa da expetativa que a série criou ao longo dos nove capítulos anteriores. Mas ficou longe de ser um Lost, Dexter ou Game of Thrones, apenas previsível na essência e o que foi surpresa parece deixar brechas para continuações, se não para uma improvável segunda temporada, talvez para um derivado.

Teve salvação pela cavalaria? Sim, mas já era bola cantada desde o episódio 6 (o que é que a súcubo coreana ia fazer numa história com protagonistas negros?). Teve correria de última hora e soluções literalmente mágicas? Com certeza, mas é porque a estrutura da série pedia um encerramento em um episódio.

O romance original de Matt Ruff também foi escrito como uma história principal dividida em contos quase independentes. Assim, Lovecraft Country começa com a jornada em burca de Montrose, com o terror real vivido por um grupo de negros viajando através da América racista da época, quase uma reposta ao bom mocismo do vencedor do Oscar, Green Book.

O segundo episódio é a descoberta do que é Ardham, a herança de Atticus, a destruição do culto e a fuga dos protagonistas, não sem pagar um preço alto em sangue, no episódio mais lovecraftiano de toda a série. O terceiro, é a compra da mansão mal-assombrada que Leti transforma num albergue para artistas em pleno bairro de classe média branco, com o horror vindo tanto pela vizinhança hostil quanto pelos fantasmas no porão. O quarto é uma aventura moldada no velho Spielberg dos anos 80, com um subtexto a exploração e massacre dos nativos americanos.

O quinto tem Ruby como protagonista, descobrindo a dualidade negro-branco e homem-mulher no melhor estilo Lobisomen Americano em Londres. O sexto é um hentai – ou anime conteúdo erótico – passado na Guerra da Coréia, onde Atticus viveu o horror e o amor, estrelado por Jamie Chung (The Gifted), a atriz que é a primeira a ser chamada toda vez que o cast pede uma hot asian, ou, em bom português, uma “japa gata” (pode até ser sexista, mas é melhor que escalar a Giovanna Antonelli para papel de nissei).

O sétimo é a aventura de Hippolyta pelo multiverso, descobrindo as possibilidades que lhe foram tiradas, numa viagem pelo tempo e espaço, sem Tardis (alô, fãs de Doctor Who). O oitavo é a jornada da menina Diana, em luto pela morte violenta de um amigo (episódio baseado num caso histórico) e amaldiçoada por um policial e feiticeiro branco, que lembrou Nós de Jordan Peele. O nono é um retorno no tempo ao Massacre de Tulsa, em que Atticus tem seu momento De Volta para o Futuro e Leti sente na pele o horror daquela noite.

Jamie Chung estrela o sexto episódio Meet me in Daegu, recheado de referências culturais coreanas e críticas às intervenções militares americanas

A trama principal, portanto, avança aos solavancos, com cada capítulo fechado em si, mesmo fazendo parte de um todo, recheados e referências históricas e de cultura pop.

Se eu já destaquei no review anterior (de novo, quem quiser ler, clique aqui) as grifes Jordan Peele e J.J. Abrahams como produtores, é necessário elogiar Misha Green (Underground: Uma História de Resistência) como showrunner e roteirista principal. É dela a concepção e desenvolvimento da série, que aborda temas contemporâneos como racismo, feminismo, violência policial mas sem se esquecer de manter o entretenimento e a arte em nível elevado.

Méritos também para a escalação do elenco, em que todo mundo tem seu espaço para brilhar. Jurnee Smolett, a Leticia ‘Leti’ Lewis, que já tinha chamado a atenção como a Canário Negro de Aves de Rapina, agora tem uma protagonista de peso para lançá-la ao estrelato.

Jurnee Smolett com a cruz em chamas, símbolo da Ku Klux Klan, no episódio Holy Ghost

Jonathan Majors, o Atticus ‘Tic’ Freeman, que vinha de Destacamento Blood, de Spike Lee, carregou seu herói com a presença física necessária e uma atuação convincente, tanto é que já ganhou papel numa franquia da Marvel, o vilão Kang, no próximo Homem-Formiga 3. Michael Kenneth Williams, de The Wire, teve um dos papéis mais difíceis da série como o atormentado Montrose, vivendo numa época quem que já era difícil ser negro, quanto mais negro e homossexual.

A nigeriana Wunmi Mossaku, da série Luther, é praticamente uma Queen Latifah jovem, pelo porte e pelo talento vocal de sua Ruby, uma mulher orgulhosa que não abaixa a cabeça e se descobre ao longo da trama. Aunjanue Ellis, a Hippolyta, que tem longa carreira no cinema e TV, incluindo Histórias Cruzadas e Ray, fica nos bastidores durante mais da metade da série para explodir no sétimo episódio, correndo o sério risco de uma premiação como coadjuvante. A menina Jada Harris, a nerd Diana, também é pouco exigida até protagonizar o oitavo capítulo, em que ela tem que viver um pesadelo acordada.

O sétimo episódio I Am é totalmente sci-fi

 

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