Review | Pelé (Neflix)

Chegou esta semana o tão aguardado documentário Pelé, da Netflix. E por que a expectativa, se a carreira do Rei do Futebol já foi destrinchada em livros, filmes e outros ao longo das décadas?

De fato, se você quiser ver gols de sua incrível carreira, Pelé Eterno, de 2004, é muito mais completo. Mas enquanto Aníbal Massaini Neto, que foi um dos reis da Boca do Lixo, passa pano no contexto histórico e pessoal de Edson Arantes do Nascimento, os diretores David Tryhorn, especializado em documentários esportivos, e Ben Nicholas tentam ir além do mito dos gramados.

Além disso, a produção tem a grife de Kevin McDonald, vencedor do Oscar de Documentário em 1999 e diretor do sucesso O Último Rei da Escócia (2006).

Pelé sempre disse que se fossem homenageá-lo, que o fizessem enquanto era vivo. Talvez por isso, aos 80 anos, perto do fim e vendo seu legado se desvanecendo, aceitou falar pela primeira vez sobre temas que sempre o perseguiram, como seus casos extraconjugais e sua passividade diante da ditadura.

Ele cita muito superficialmente seus filhos fora do casamento, mas é a primeira vez que o faz, enquanto não nega que foi usado pelo ditador Garrastazu Médici como arma de propaganda. O fato é que o craque nunca negou aproximação com nenhum presidente da fase democrática, sendo mais próximo de Fernando Henrique Cardoso, um dos depoentes do filme, de quem chegou a ser ministro.

Campeão mundial aos 17 anos, Pelé chora abraçado por Didi e Gilmar

O documentário é centrado na Copa do Mundo de 1970, que se não foi seu auge técnico como jogador, foi sua coroação como mito mundial. Passa pela sua infância pobre em Três Corações (MG) e Bauru (SP), seu início no Santos e a rápida convocação para a Copa de 1958 na Suécia, onde se consagrou como fenômeno planetário, com direito a gol decisivo contra um retrancado País de Gales, hat-trick na semifinal contra a França e dois na final contra a Suécia – um deles, uma obra-prima com direito a chapéu no zagueiro antes da finalização de primeira no canto do goleiro.

O jovem jogador é elevado à condição de ídolo nacional e, com as subsequentes performances no Santos, a ser o jogador mais bem pago do mundo. Negro, mas simpático e bem apessoado, Pelé se torna garoto-propaganda de diversos produtos, mesmo em seu país racista, e solicitado por mídias de todo o mundo. E ele adora.

No Santos, impressionou o mundo em excursões enfrentando os melhores

Euforia

O filme contextualiza o momento de euforia da conquista do bicampeonato Mundial com o período em que o Brasil se industrializava e começava a aparecer para o mundo – aliás, podiam ter citado a Bossa Nova e a tenista Maria Esther Bueno.

Mas a ênfase é toda no Rei, tanto é que as contribuições de Garrincha em 1958 e – principalmente – em 1962 são ignoradas, dando maior destaque ao substituto de Pelé: Amarildo, o Possesso.

A Copa da Inglaterra, que representaria sua consagração planetária, foi marcada pela desorganização da Seleção – que não é mostrada – e a violência dos adversários, que ganha destaque.

A melancólica eliminação do Brasil na primeira fase, após mais uma contusão que o tira da competição, faz Pelé declarar que vai desistir dos Mundiais.

Pelé sai de campo carregado após ser caçado pelos zagueiros portugueses em 1966

Como o filme mostra, dois fatores farão com que ele mude de ideia. Uma, é a comoção causada pelo milésimo gol em 1969 e o endurecimento da ditadura a partir do AI-5. Para calar as insatisfações, nada melhor que o futebol e seu maior símbolo, Pelé.

A pressão vem por meios oficiais e extraoficiais, e o Rei se apresenta ao escrete comandado por João Saldanha. Aí, vem as coisas mais interessantes do documentário. Para Pelé, o jornalista não entendia muito de bola, e produzia factoides para chamar a atenção para si, caso do boato de que Pelé não estava enxergando bem.

Conhecido como João Sem Medo, comunista e mitomaníaco notório, o técnico acabou sendo demitido ao comprar briga com o ditador de plantão, Médici. Em seu lugar assume Mário Jorge Zagallo, companheiro de Pelé nas Copas de 58 e 62, e que durante muito tempo teve seu papel no tri subestimado.

O fato é que o time que se classificou nas eliminatórias com Saldanha era muito diferente daquele escalado pelo Velho Lobo e encantou o planeta no México.

‘Eu Não Morri’

Novamente são destacados os principais e mais conhecidos lances de Pelé, como a tentativa de encobrir o goleiro tcheco Viktor a partir do meio de campo (o gol que Pelé não fez), a cabeçada que fez Gordon Banks realizar “a maior defesa de todos os tempos”; o chute de primeira interceptando o tiro de meta de Mazurkiewicz e o drible de corpo no mesmo goleiro uruguaio que passou raspando a trave.

Por motivos de Relações Públicas, ficou faltando a cotovelada em Fontes no exato momento em que o uruguaio dava uma entrada por trás. A goleada na final contra a Itália por 4 a 1 coroava aquele que talvez tenha sido o maior time de futebol de todos os tempos, e fez com quem ainda duvidasse da majestade do Rei, se ajoelhar a seus pés.

Edson Arantes do Nascimento, 50 anos depois, afirma que o maior sentimento da vitória era o alívio, e Rivelino revela que no vestiário Pelé gritava: “EU NÃO MORRI!”.

A consagração em 1979, no México: “Eu não morri!”

Para quem acha que isso aconteceu na idade da bola de pedra e que Pelé não tem vez diante de Messi e Cristiano Ronaldo, vale a pena ver o filme, que tem justamente os jovens como público-alvo.

Pena que no afã de relembrar os feitos do maior jogador do século XX, esqueçam de citar que ele jogou com alguns dos maiores craques brasileiros que já existiram: de Nilton Santos, que estava na Copa de 50, a Emerson Leão, que jogaria até o Mundial de 1986, sem falar em Didi, Garrincha, Tostão e Jairzinho.

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