Review | Top Gun: Maverick

 

Um espetáculo bem domado

Top Gun: Maverick é um raro caso de acerto quando o assunto é continuação, ainda mais uma lançada muito depois do original. E tudo isso justamente por fugir dos recentes padrões vistos em franquias, com a tradicional passagem de bastão do protagonista para um novo herói, como se as pessoas de antes tivessem prazo de validade e seus méritos de outrora fossem descartáveis, para que a geração atual exerça empatia somente com os mesmos de sua faixa etária, como se fosse incapaz de apreciar algo além de um reflexo próprio em tela.

Na trama, o rebelde Capitão Mitchell Maverick (Tom Cruise) boicota suas promoções de patente na Marinha, ao longo de três décadas de serviço, para continuar fazendo o que lhe dá prazer, simplesmente voar.

Ele é convocado pelo impaciente Almirante Cyclone (John Hamm, de Mad Men) a instruir uma equipe etnicamente diversificada de jovens pilotos (cuja dinâmica entre si vai da amizade à competitividade), para uma importante e perigosa “missão impossível”.

Dentre eles, estão a Tenente Phoenix (Monica Barbaro, das séries Chicago), o tão belo quanto irritante Tenente Hangman (Glen Powell, de Castelo de Areia) e o Tenente Rooster (Miles Teller, de Whiplash), filho do falecido Tenente Goose (Anthony Edwards), amigo de Maverick no filme original.

Assim, é estabelecido o drama do conflito pessoal do protagonista, que almeja alguma reparação na culpa sentida pelo filho do amigo ter crescido sem pai, lhe proporcionando agora a oportunidade de encarar o trabalho aéreo que tanto busca, mas ao mesmo tempo, sabendo que esse voo pode não ter volta e, assim, ter redobrado seu fardo pela morte de alguém da mesma família.

Reflexões

Quem conforta Maverick em suas reflexões, com leveza e até momentos de humor, é a dona de bar e mãe solo, Penny (Jennifer Connelly, de Hulk), que faz as vezes de par romântico, papel antes exercido numa atmosfera muito mais avassaladora pela instrutora Charlie (Kelly McGillis, cuja aparência assumida da idade elevada provavelmente pode ter interferido para essa substituição da figura no roteiro).

Por outro lado, quem retorna é o Almirante Iceman (Val Kilmer, debilitado pelo câncer na garganta), numa breve e comovente participação.

Há também muitos outros momentos em Top Gun: Maverick reproduzidos de forma similar ao filme de 1986, ainda que em um tom mais ameno e menos icônico, como as corridas de moto, a cantoria no bar e o esporte na praia.

O filme até inicia com a mesma trilha sonora (da instrumental oitentista do Harold Faltermeyer a Danger Zone, de Kenny Loggins) e o mesmo estilo de fotografia contra a luz do pôr do sol de Jeffrey L. Kimball, agora aos olhos do chileno Claudio Miranda (vencedor do Oscar por As Aventuras de Pi).

Mais uma vez, o inimigo é uma figura desumanizada, de uma nação indeterminada, propiciando um ponto de vista muito específico e logicamente fechado a problematizações sobre os males duma guerra, o que não diminui em nada o peso da história.

Flashback?

Apesar de apostar em algumas cenas de flashback, o filme não se sustenta exclusivamente na nostalgia. Não há mais o suor excessivo e a exploração da sensualidade dos corpos masculinos, que já foram alvo de controversa interpretação homoerótica, feita pelo diretor Quentin Tarantino.

Existe um nítido avanço tecnológico a ser considerado, que é muito bem explorado. Foram filmadas mais de 800 horas de voo. Tudo sem as genéricas telas verdes e a superficialidade da computação gráfica. Os atores realmente estão voando nos aviões.

O treinamento intenso pelo qual passaram não foi em vão, não é um detalhe. É o motivo que faz desta produção um filme de ação épico. A aviação de alta performance é mostrada de modo majestoso. As máquinas praticamente dançam um balé no céu, em cenários ora desérticos, ora com neve.

Tudo impressiona, causa sensação de risco e de progressão na missão. A glamorização da profissão dos uniformes impecáveis com Ray-Ban de Aviador cede espaço ao realismo. Há a sensação de que tudo pode acontecer e, assim, tudo funciona muito bem.

Em 1983, a revista California publicou um artigo sobre as vidas de dois pilotos de caça, que inspirou produtores de Hollywood a desenvolverem um filme sobre aquele universo. Com consultoria da Marinha americana, para maior credibilidade do que seria retratado, Top Gun foi taxado como propaganda militar e teve convites recusados para o elenco.

Três anos depois, a produção foi lançada nos cinemas e arrecadou mais de vinte vezes o valor do seu orçamento nas bilheterias, tornando Tom Cruise o superastro de sucesso que conhecemos.

O filme recebeu quatro indicações ao Oscar e levou uma estatueta pela música Take my Breath Away, que tocou nas rádios por anos – e ainda toca – marcando a carreira da banda pop Berlin e as vidas de milhões de apaixonados.

Dessa vez, a audiência é embalada pela menos impactante – mas muito linda – Hold my Hand, de Lady Gaga, que não espanta se marcar presença nas premiações do ano que vem. Torçamos.

Abordado por executivos do estúdio desde os anos 90, o diretor Tony Scott aceitou fazer a sequência de seu filme-fenômeno somente em 2010. Mas, com seu suicídio, em 2012, o projeto foi cancelado. Ele foi retomado cinco anos mais tarde, com estruturação do produtor do original, Jerry Bruckheimer (Piratas do Caribe) e Tom Cruise não só como protagonista, mas também co-produtor e agora dirigido por Joseph Kosinski, que trabalhara com o astro em Oblivion, de 2013.

Com lançamento previsto para 2019 e depois 2020, a estreia foi adiada devido à pandemia de Covid-19 e finalmente pode ser conferido nas telonas. Após esse período, estará disponível somente no serviço de streaming da Paramount.

Excesso de Testosterona?

Portanto, fica a dica: é no cinema que o filme deve ser apreciado e na maior tela possível, elevando ao máximo a experiência numa sensação de imersão. Sobre polêmicas envolvendo o excesso de testosterona na obra, isso não faz sentido e deve ser ignorado.

Prova disso é a construção da Tenente Phoenix, de Monica Barbaro, que não precisa reafirmar constantemente sua competência em meio a tantos homens, já que é tratada naturalmente pelos demais, em um patamar de igualdade de capacidade. E porque haveria de ser diferente?

Tom Cruise se mantém no foco da ação, o que é ótimo, já que o tempo lhe faz bem, como um bom vinho. Obstinado, o ator parece sempre em seu auge, a cada novo trabalho.

É gratificante poder desfrutar da apresentação de seu talento e compartilhar da sua alegria (nítida no sorriso de um milhão de dólares) no envolvimento de mais um projeto em que ele realmente se importa de fazer parte, de levar adiante e dar o seu melhor, não só pela fisicalidade sempre empregada ou pela condução da produção, mas também pela cativante atuação.

Dá até para traçar um paralelo de sua vida profissional com a do personagem que interpreta: alguém que recusa se deixar levar pelas convenções sociais do que é apropriado para cada etapa da vida e, assim, se tornar alguém cada vez menos relevante naquilo que gosta de fazer e se dedica. Nesse megaevento cinematográfico do ano, ele se diverte, nos inspira e seguimos todos felizes.

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