Review | Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

Havia certa desconfiança de minha parte com este Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa. Parte dela oriunda das tentativas anteriores da Warner/DC em fazer filmes de equipes. Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) foi a primeira tentativa, e apesar do filme ter uma certa autenticidade em sua estética, a história atropela a si mesma várias vezes. No mesmo ano foi lançado Esquadrão Suicida, uma das campanhas de marketing mais enganosas, uma salada mista de personagens mal apresentados e uma montagem confusa – sem falar do Coringa de Jared Leto, que nasceu para ser esquecido ou achincalhado. A pá de cal veio com Liga da Justiça (2017). Apesar de eu gostar do aspecto kitsch do filme, a recepção geral da crítica praticamente naufragou o Universo Compartilhado da DC.

Se por um lado todos esses frequentes fracassos arruinaram a tentativa da Warner/DC em criar um universo compartilhado como o MCU, por outro lado, eles serviram para que seus produtores botassem ordem na casa e parassem de tentar correr atrás da Marvel. Alguns exemplos de que essa nova empreitada mais autoral do estúdio deu resultado já estão aí: Shazam!, Aquaman e Coringa são boas provas disso, e ainda há certa ansiedade pelo aguardado primeiro capítulo da nova trilogia do Batman, agendado para 2021.

Enquanto o Batman não chega, Aves de Rapina é a prova de que a Warner/DC aprendeu com os próprios erros e também com os acertos dos outros. Desde o início, fica nítida a influência de Deadpool, principalmente na narrativa, repleta de tiradinhas e quebras de quarta parede. A narração em off de Arlequina (Margot Robbie) chega a ser irritante no primeiro ato, embora seja um fio condutor interessante, já que acompanhamos toda a história a partir de sua perspectiva. Ela é praticamente uma narradora onisciente – mesmo quando não está em cena ela pontua ou comenta os acontecimentos – daí a irritação com sua teimosia em aparecer onde não fora chamada.

Insanidades

Dessa forma, o longa da diretora Cathy Yan passa boa parte dependendo das loucuras e insanidades cometidas por Harley, agora livre do Coringa. Se a princípio essa emancipação é vista por Harley como um grito de liberdade, logo ela se vê sem a proteção de seu mestre – “todo Arlequim precisa de um mestre”, diz a personagem. Cansada desse pensamento, ela passa a provar a todos que pode tomar conta de si mesma, e isso coloca em seu encalço diversos vilões e bandidos de Gotham que sempre quiseram matá-la e não podiam, justamente por ela ser a pudinzinho do Coringa.

Aliás, Aves de Rapina não descontinua ou cancela o filme anterior – como acontecera no recente Star Wars: A Ascensão Skywalker. A roteirista Christina Hodson (Bumblebee) traz claras referências ao Coringa de Jared Leto e aproveita o que de melhor havia no problemático Esquadrão Suicida: a própria Harley Quinn. E dar o protagonismo a Harley emprega duas coisas à história: irritante como só, ela mexe não só na montagem do filme como também em sua estética, que se assume kitsch em diversos momentos – lembrem-se que estamos vendo e ouvindo uma história contada por ela – e embora seja um filme intitulado Aves de Rapina, a história trata muito mais de sua Emancipação Fantabulosa, como dito no subtítulo.

Por esse foco narrativo na – e da – Arlequina, o filme demora a nos envolver com as Aves de Rapina, é aos poucos que vamos conhecendo as demais personagens e entendendo a conexão delas com Harley. Todas as personagens surgem, de alguma forma, desacreditadas, seja na esfera familiar (no caso da Caçadora vivida por Mary Elizabeth Winstead) ou na profissional (no caso da detetive Montoya, vivida por Rosie Perez). Dentre elas, Dinah Lance, a Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell) é a que mais rouba a cena, tanto por suas cenas de luta, bem coreografadas e sem cortes excessivos, quanto por sua proximidade com o termo “super-heroína” – quem já conhece a personagem sabe do que eu estou falando.

Ela é a motorista de Roman Sionis (Ewan McGregor) um chefão do crime de Gotham e dono de uma boate na qual ela canta, que está atrás de um diamante muito valioso que vai parar nas mãos – ou melhor, no estômago – da jovem ladra Cassandra Cain (Ella Jay Basco). No meio de tanta turbulência, a detetive Montoya investiga o caso tentando reunir provas contra Sionis e proteger a jovem.

Emancipação

Ao som de uma trilha sonora composta somente por vozes femininas, aos poucos, a emancipação da Arlequina vai se transformando também na emancipação das demais personagens. Ainda não é o filme perfeito – embora haja empoderamento, o cenário de Gotham ainda é completamente masculino – mas em vista do que vimos até hoje nos filmes da DC, esse é mais um passo importante nessa nova estrada que o estúdio vem ladrilhando.

O filme só escorrega em dois momentos: a Caçadora é bem deslocada das demais, e não por seu jeitão de durona que não curte piadinhas, mas sim pela demora em apresentá-la, e ao concluir o arco do vilão Máscara Negra, tido como um dos mais poderosos de Gotham, seu final é anti-climático, mas talvez, tal qual em Batman Begins – e lhes peço permissão para supor – os planos para o futuro das Aves de Rapina sejam ainda maiores. É como a própria Montoya diz: mais vilões irão atrás delas. Nos resta esperar pra ver.

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