Review | Barbie

Por favor, deixem a Polly em paz!

Os roteiristas de Hollywood estão em greve há uns 20 dias. Com o tipo de filme que tem sido lançado desde o fim da pandemia, fica a dúvida se essa paralisação já não dura na verdade há 20 meses (e só agora nos demos conta) ou se esses profissionais são de fato pressionados a tal ponto, que justificaria tamanha estagnação criativa.

Ao que tudo indica, faz parte desse grupo de manifestantes o jovem Sid Phillips (vizinho do Andy, de Toy Story), o provável nome real por trás do roteiro de Barbie, filme sobre a boneca mais famosa do mundo, que o rapaz deve odiar com todas as suas forças e torturá-la de todas as formas possíveis.

Infelizmente, sua mente perturbada não se contenta mais com um sadismo privado, ao destruir os próprios brinquedos no quintal e agora convida a todos os fãs da boneca a partilharem de seu deleite de humilhação da “moça” em praça pública.

Mas, claro, tal convite foi feito de modo bastante ardiloso, tal qual um flautista de Hamelin atraindo vítimas hipnotizadas para uma linda armadilha de Tom e Jerry. Uma propaganda digna de reclamação no Procon, se o trailer for considerado como brincadeira. Como ele assume para quem é feito, e é literalmente isso, o problema é nosso.

Barbie (Margot Robbie) vive em seu mundo perfeito, até que, de repente, é assombrada por (pasmem) pensamentos de morte, que impactam em transformações em seu corpo. Tentando revertê-lo à normalidade, ela parte numa jornada ao mundo real, acompanhada de seu admirador Ken (Ryan Gosling).

Os cenários são incríveis e as atuações são ótimas. Porém, nesse ponto da história, parece que haverá um necessário contraponto estético e narrativo ao mundo das bonecas. Mas não, o tom caricato do filme só se amplia e se agrava. Agora não tanto em aspecto visual, mas em frases de efeito sobre a toxicidade da nossa cultura patriarcal.

O machismo para Teletubbies

Trazer esse tema para debate não é ruim. Discutir ideias deveria ser edificante. O problema está em como isso é feito, ainda mais no formato dum filme. Um exemplo é quando o Ken se depara com as diferenças de como homens e mulheres são tratados no “nosso mundo”. É uma bela sacada, mas quem dirigiu o filme a considerou insuficiente, fazendo o boneco ir a uma biblioteca, pegar livros sobre o patriarcado e ficar soltando frases afirmativas por aí.

Em outro momento, Barbie encontra diretores da empresa Mattel e ressalta: “hum, todos homens”. Ué, já não estamos vendo? Já não está implícita a crítica por trás disso? Somos tão ignorantes assim, que é preciso explicar a imagem? E esse tipo de recurso de reafirmação em diálogos, daquilo que já se vê em tela, só aumenta e só irrita.

A menina que teria sido dona da Barbie é detestável. E claro, há um aviso prévio de outra personagem de que ela seria desse jeito e depois um “eu avisei”. Não é um tipo de humor que funciona comigo. E mesmo assim eu tentei muito me conectar.

A mãe dessa garota parecia ser finalmente a salvação, até que ela age de forma burra numa cena e adere a um Me Too em outra. A simbologia de discriminação etária está posta. Minha geração é vista como ridícula e só será aceita nesse novo mundo se dançar conforme o TikTok da vez.

Desculpa por fazer sucesso!

Há filmes que tiram sarro de si próprios, criticando sua indústria de origem, com muita eficácia, como o do Tico e Teco. Infelizmente, o da Barbie não me soou assim. A protagonista só chora o tempo todo e ainda tem que se desculpar por ser bonita. A não ser que ela literalmente calce a sandália da humildade. Que droga essa tendência de Fiuk de BBB20, hein!

Se Harry Potter fosse feito hoje em dia, não duvido que o Hagrid diria ao menino “você é um merda, Harry”, em vez de “você é um bruxo”. É tanto mea culpa em Hollywood, que eu creio estarmos presenciando a implosão do American way of life. Quem diria!

Ridicularizando fãs da boneca

Para apreciar Barbie é preciso saber que a boneca não será celebrada com uma pitada de crítica, ela será esculachada na última medida, em seu próprio filme. Ele pode funcionar a quem estiver apto a abraçar com vontade o estilo de galhofa no estilo Casseta e Planeta, aplicado ao didatismo do Telecurso 2000, cujo tema é: “Onde tratar suas frustrações, numa psicoterapia ou num DCE de universidade pública?”.

Nem Barbie Girl do Aqua foi perdoada nos créditos finais e teve que ser remixada com um rap meia boca. Há quem diga que é um filme corajoso, como se vangloria a própria diretora, Greta Gerwig, doce em Adoráveis Mulheres, mas amarga aqui.

Eu diria que coragem é uma virtude, portanto classificaria isso mais como audacioso. Tanto, que deu um tapa na cara da empolgada audiência e um tiro nos próprios pés.

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