Review | Death Note (Netflix)

Há um caderno chamado Death Note que causa a morte imediata de quem tiver seu nome escrito lá. Na verdade, você pode, ainda, escolher a forma como essa pessoa morrerá – detalhando isso em frente ao nome da vitima. Esse caderno é vigiado por um deus da morte, que lhe incentiva a usar o caderno como você bem entender.

Eis que esse poder de decidir sobre a vida ou morte de qualquer pessoa no mundo (bastando para isso saber seu nome completo e ter em mente seu rosto quando escrevê-lo no caderno) cai nas mãos de um estudante recluso, descrente com a humanidade, e que escolhe “fazer justiça” eliminando criminosos e todos aqueles que ele considera estarem “sujando” o mundo. Pense na quantidade de questionamentos morais e debates sociológicos/filosóficos que um plot desse poderia trazer à tona? Pois é: assista Death Note e padeça esperando por isso. Ou só padeça por conta da qualidade duvidosa do filme.

Os problemas da produção baseada no mangá de Tsugumi Ohba são vários, mas antes gostaria de uma colocação: acredito que um dos grandes problemas em se analisar obras baseadas em outras obras, mas em plataformas diferentes, é que elas são assim – outras obras. O original vai permanecer lá, e se ele é que lhe agrada, ótimo, continue gostando dele; mas adaptações vêm e vão, por vezes buscando atingir novos públicos, expandir ou simplificar a história, ou mesmo buscar novas possibilidades técnicas. Dito isso, é claro que se formos comparar esse filme da Netflix com as obras nas quais foi baseada (mangá e anime), ele se torna um produto raso e nada fiel às origens. Mas quando analisado como nova obra independente, que realmente é, também é um produto ruim. Pois é.

Já começamos pela escalação do elenco que, talvez com a exceção do policial/pai do protagonista James Turner (Shea Whigham), não convence em momento algum. Isso fica bem claro logo de início, na cena em que Light Turner (Nat Wolff, lembrando o Peter Parker emo de Homem-Aranha 3) dá um chilique digno de gargalhadas, pra cerca de 20 segundos depois, se tornar um assassino cruel e sádico – tudo isso enquanto passa, nos mesmos 20 segundos, do medo de um demônio de 2,5 metros para a confiança cega no que ele diz. E aí vem outro problema do filme: o roteiro.

É tudo muito rápido, sem motivação, sem explicação: numa cena, Light apanha na escola, na outra mata o seu bullie, na outra está em casa discutindo com o pai, e na outra está flertando com uma garota enquanto conta para ela do livro – e ela aceita tudo isso naturalmente, como se fosse algo trivial ter um livro da morte. Aliás, livro da morte este que é protegido por um Ryuk (voz de Willem Dafoe, que deve ter sido escolhido só pelo seu rosto lembrar um pouco o do deus da morte) totalmente desnecessário para a trama – tirando uma ameacinha ou outra, o bichão está lá só pra gargalhar e comer maçã no escuro. Deve ser uma espécie de alegoria ao papel do espectador nesse filme.

Pretensão

Conforme a trama se desenvolve, surge outro personagem terrível: L, o suposto maior investigador do mundo, mas que age feito uma criança birrenta que grita e joga tudo no chão quando é contrariado. Bem mal interpretado por Lakeith Stanfield – que demonstrou potencial no ótimo Corra! – L não mostra a que veio, chegando a conclusões sem qualquer nexo – mais por conveniência do roteiro do que por qualquer outro motivo. Seu embate com Light prometia tão mais, afinal de contas, é o maior detetive do mundo em seu encalço e você não tem ideia do seu nome. Mas ao fim se junta ao hall da decepção com a personagem Mia (Margaret Qualley), “namorada” de Light, que até tenta mostrar o porquê está no filme, mas que morre com essa pretensão.

Exceto uma ou outra peripécia nas tomadas de câmera por conta do diretor Adam Wingard, fica uma sensação de incerteza por parte do tom que ele quis dar ao filme: seria o terror mais gore a la Premonição, ou seria o suspense policial? O filme caminha pela comédia de humor negro, pelo romance, pela ação… mas nunca pisando com certeza sobre qualquer um desses territórios. Parece aquelas pessoas que aparecem nas Video Cassetadas do Faustão, que ameaçam que vão pular de algum lugar, aí desistem em cima da hora, e acabam caindo por conta disso. E a trilha sonora eletrônica acompanha a pluralidade de (falta de) identidade do filme.

E o que fica ao final é a sensação amarga de encontrar o caderno e escrever nele “qualquer memória relacionada ao filme Death Note” para que, assim, fossem retirados de minha memória resquícios dessas quase 1h40 jogadas fora… enquanto um deus da morte ria de mim, escondido no escuro, e comendo uma maçã.

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Death Note está disponível no catálogo da Netflix.

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